Folha de S. Paulo


Crítica: 'Retorno a Ítaca' é filme amargo sobre volta do exílio

"Retorno a Ítaca" não faz jus ao nome que lhe foi dado. A ensolarada, verdejante e vibrante Cuba até pode ter longínquas semelhanças com a ilha grega onde a fiel Penélope esperava seu amado.

Mas um frustrado autoexilado cubano, ex-futuro sucesso literário, nem de muito, muito longe pode ser comparado com o épico Ulisses da não menos épica "Odisseia".

O fato de o diretor francês Laurent Cantet ter escolhido um título hiperbólico para sua obra não significa que tenha feito um filme ruim. Também não produziu a mais brilhante e gostosa cereja de um bolo de noiva.

"Retorno..." é mais uma daquelas fitas que se assemelham a peças de teatro, em que um grupo de personagens se encontra num local e fica discutindo sobre a vida, o passado e, às vezes, o futuro. Há casos em que o resultado é divertido, outros em que pende para o drama, mas quase sempre a peça se assemelha a uma sessão de terapia em grupo.

Divulgação
Atores em cena do filme
Atores em cena do filme "Retorno a Ítaca", de Laurent Cantet

No filme em questão, um punhado de amigos se encontra na casa de um para receber o tal autoexilado, que volta a Cuba depois de 16 anos vivendo na Espanha. Agora cinquentões ou jovens sessentões, eles compartilharam, na juventude, lutas e esperanças, ainda que não tenham feito parte da geração revolucionária.

Seus sonhos se esvaneceram. Um ex-futuro escritor tem sucesso como contador que nem sempre segue a letra da lei; uma oftalmologista lamenta a ausência dos filhos, que se mandaram para Miami e não respondem a suas tentativas de contato; um pintor alcoólatra redimido pinta quadros aos quais não dá valor; o anfitrião, engenheiro transformado em operário, parece ser o mais de bem com a vida.

Enquanto bebem e destilam suas mágoas na laje de um prédio, a vida segue em Havana. Uma garotada de bem com a vida mata um porco para uma festança noturna, a vizinhança toda acompanha pelo rádio uma disputa esportiva, um casal discute aos berros as estripulias do homem, que tenta voltar para casa depois de aventuras etílicas.

À parte o verniz político de ser ambientado em Cuba, que se faz também personagem, "Retorno..." é um filme amargo, ainda que tenha momentos de bom humor e descontração. Como podem ser reencontros de velhos amigos que seguiram na vida caminhos próprios, contraditórios, excludentes.

RETORNO A ÍTACA
(RETOUR À ITHAQUE)
DIREÇÃO Laurent Cantet
PRODUÇÃO 2014, França, 16 anos
MOSTRA dom. (26), às 19h15, no Reserva Cultural; seg. (27), às 11h na Faap
AVALIAÇÃO bom


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