Folha de S. Paulo


Novas cantoras recriam rhythm & blues dos anos 90

A cantora americana Kelela, 31, e a canadense Jessy Lanza, 30, eram adolescentes quando, nos anos 1990, a indústria musical viu-se seduzida por uma versão mais jovem e urbana do R&B, o rhythm and blues. Vozes doces flutuavam sobre um misto de balanço da gravadora Motown com batidas de rap.

Essa reinvenção do gênero –criado em 1940 para se referir à música feita pelos negros– foi protagonizada pelo produtor Timbaland. Ele botou as mãos em CDs símbolos da época, como "One in a Million" (1996), de Aaliyah (1979-2001).

"Eu idolatrava a Janet Jackson", revela Lanza. "A Mariah [Carey] é quem eu mais tentava imitar", recorda Kelela. As novatas, que não ligam para rótulos, mas declaram amor pelo estilo, têm ajudado a transformar o R&B.

Divulgação
Kelela, 31 (à esq.), diz que imitava Mariah Carey, e Jessy Lanza, 30 (à dir.), idolatrava Janet Jackson
Kelela, 31 (à esq.), diz que imitava Mariah Carey, e Jessy Lanza, 30 (à dir.), idolatrava Janet Jackson

Assim como Timbaland, elas criaram sonoridades com um pé no passado e outro no futuro. É o tal do R&B experimental ou future R&B, terreno de talentos, como The Weeknd e FKA Twigs.

As duas, não por acaso, foram escaladas para o festival S.U.B. (Shut Up It's Bass), no Audio Club, em SP. Dedicado a bass music (conjunto de vertentes eletrônicas marcadas pelo grave), é encabeçado pelos produtores Flying Lotus e Kode9.

Antes agendado para quinta (2) e sexta (3), o evento cancelou a segunda data e reuniu as atrações (exceto pelo DJ Kingdom) na primeira. O ingresso do dia 3 dá acesso ao festival. O reembolso pode ser solicitado por (11) 3862-8279 ou sac@audiosp.com.br.

Na ocasião, as cantoras mostrarão faixas de seus discos de estreia, lançados em 2013. Em "Pull My Hair Back", a voz etérea de Jessy Lanza reverbera sobre beats sônicos. O álbum, coproduzido por Jeremy Greenspan, saiu pelo selo Hyperdub, de Kode9. Ela ainda busca ideias no funk e boogie de 1980. "Tudo soava tão bem naquela época." No palco, usa dois teclados synth e um pedal de delay para a voz.

"Cut 4 Me", mixtape de Kelela, traz assinaturas de seus colegas produtores do selo Fade to Mind, como Kingdom e o duo Nguzunguzu. Ali, o seu canto doce e fresco se encaixa em beats "esquisitos", como ela diz. Apesar de frequentar palcos underground, ela vislumbra a popularidade do R&B noventista. "Quero crescer até onde der, sem deixar de ser quem sou."

S.U.B. - SHUT UP IT'S BASS
QUANDO quinta (2), às 22h
ONDE Audio Club, av. Francisco Matarazzo, 694
QUANTO R$ 120 (inteira)
CLASSIFICAÇÃO 18 anos

LINE-UP
Palco Club
23h Soul One
0h Jessy Lanza
1h Dubstrong
2h30 Kelela
3h30 Trusty

Palco STAGE
0h CESRV
1h Flying Lotus
2h Kode9
3h Tropkillaz
4h15 Party Favor

Leia abaixo as entrevistas com Kelela e Jessy Lanza na íntegra.

JESSY LANZA

Folha - Qual memória musical te despertou a vontade de apostar o seu futuro na música?
Jessy Lanza - Eu realmente idolatrava a Janet Jackson quando era pequena, e lembro de querer fazer o tipo de música que ela fazia.

Desde então, quais foram suas aventuras musicais?
Eu fiz aulas de piano quando criança e fui para a universidade estudar piano também. Eu sempre trabalheo com música de uma forma ou de outra. Eu tive muitos trampos diferentes.

É perceptível a influência do R&B dos anos 1990 no seu som. Quem são os seus produtores e cantores preferidos?
Eu gosto do Timbaland e da Missy Elliott porque eles são inovadores. Eles criaram uma sonoridade que ninguém havia feito antes. Assim como eu amo o R&B da década de 90, eu também sou influenciada pelo R&B em suas formas anteriores e pelo funk e boogie do fim dos anos 1970 e dos anos 1980. Produtores como Patrice Rushen e Kashif ou Zapp e Roger.

Quais características do R&B dos anos 80 mais te prenderam a atenção?
Os equipamentos. Tudo soava tão bem naquela época. Eu também gosto de jazz. Tem muito jazz no boogie e R&B daquela década, mas a gente nem se dá conta de que está ouvindo.

Como você conheceu o produtor Jeremy Greenspan e quando vocês começaram a trabalhar no disco "Pull My Hair Back"?
O Jeremy mora na mesma cidade que eu [Hamilton, em Ontário, no Canadá] e tínhamos amigos em comum. Começamos a trabalhar no disco no começo de 2012. Mas aquelas primeiras baixas nunca entraram no álbum. Acho que a gente estava tentando chegar ao som exato e levou um tempo até conseguir.

E como foi o seu processo de criação?
Eu geralmente começo com bateria e percussão e continuo a partir delas. Se eu tenho um bom loop, me sinto inspirada para escrever mais em cima dele.

O que inspirou a maior parte das canções?
A música que eu estou ouvindo no momento me inspira a escrever. E eu ouço muita música pop, que fala basicamente de amor e sexo. Então essas coisas se refletiram no meu disco.

Seu estilo vocal é bem etéreo e as produções são minimalistas. Como vocês queriam que o disco soasse?
Quando estou ouvindo um disco, quero ser absorvida e me perder nele. Era importante para mim e para o Jeremu que o álbum tivesse esse efeito sobre as pessoas e não parece com nada além dele mesmo.

Quais equipamentos você usou no disco?
Eu usei o meu Juno 106 [clássico teclado synth da Roland] tanto quanto [as baterias eletrônicas] 707 e 808 [os sintetizadores] arp odyssey e OB-Xa. O Jeremy também tem um sistema modular que ele usa bastante.

Como é que você chegou ao selo britânico Hyperdub?
O Kode9 é um velho amigo do Jemery. Ele ouviu alguma faixas nas quais estávamos trabalhando e disse que estava interessado em lançar um disco inteiro.

E como é fazer parte de um casting que tem produtores como o Burial e o próprio Kode9?
Eu já gostava dos trabalhos do Hyperdub antes mesmo de me envolver com eles. É ótimo fazer parte de algo que eu sou fã.

Como será o formato do seu show no festival S.U.B.?
Meu equipamento são dois teclados synth e um pedal de delay para a minha voz. Os samples de bateria eu solto através do Ableton [software de produção musical]. Sou eu sozinha no palco.

*

KELELA

Folha - Você se lembra de ouvir alguma música que te fez pensar "nossa, é isso"?
Kelela - A primeira vez que ouvi algo que ressoou em mim, que me fez querer escrever, foi quando escutei o primeiro disco do Little Dragon, em 2008. Foi realmente o momento "nossa, é isso!" para mim. Havia tanta familiaridade com o som e estilo da banda, mas também algo misterioso que me pegou.

Quando você começou a cantar para valer?
Eu comecei a cantar para valer no outono de 2008, mas eu só fui escrever minha primeira música em fevereiro de 2009. Mas só me envolvi nesse tipo de música que eu faço hoje em 2010. Eu baixava um monte de instrumentais na internet, escrevia em cima deles e mandava para cada produtor. Foi um grande momento para mim, porque pela primeira vez eu estava ouvindo a sonoridade que eu realmente queria criar. Eu postei no Soundcloud uma vez e no dia seguinte eu tirei do ar. Não era daquela forma que eu quero me apresentar para o mundo. Eu achava que existia algo em que eu me encaixaria melhor por aí.

Você fez aulas de canto ou aprendeu a tocar algum instrumento?
Eu cresci tocando violino, dos oito aos 18 anos. Então, eu tenho algum conhecimento musical, mas eu nunca fiz aulas de canto (uma vez eu fiz aula particular de canto indiano clássico). Eu aprendi a cantar a partir da imitação, basicamente.

Ouvi dizer que você começou a cantar em bares.
Eu costumava cantar em alguns bares em Washington DC [sua terra natal]. Eu estava tentando lapidar minha performance e acostumar a ficar em frente ao público. Então eu usava standards de jazz escritos por alguns dos meus jazzistas preferidos para conseguir isso. Alguns amigos me ajudavam a mapeavam standards obscuros e faixas da Betty Carter. Eu praticava com um gravador na época, então levar tudo aquilo para o palco com uma banda ao vivo era um grande ajuste. Mas logo eu aprendi a me recuperar depois de um tombo. Há muitas técnicas que eu desenvolvi mais rápido porque eu estava tentando imitar improvisos (Ella Fitzgerald, Sarah Vaughan e Betty tinham alguns bons e longos de que eu gostava) e falsetes (Kim Burrel).

Depois do jazz, eu mudei para tentar escrever minha própria música e criei uma banda indie chamada Dizzy Spells com meu amigo Tim. Ele morava em uma casa punk chamada Crab's Claw, em Washington DC, onde fizemos nosso primeiro show. Eu lembro de me sentir mais relaxada quando cantava as músicas que havíamos escritos.

Por que você se mudou para Los Angeles? Como foi o começo da nova vida em uma nova cidade?
Eu mudei para Los Angeles com um amigo que tinha um filho. Eu trabalhava como babá em troca de um quarto até conseguir me mudar tranquilamente para um novo lugar. Eu fiz isso por oito meses e percebi que seria muito difícil para mim estar totalmente presente para a criança (que eu adorava) e ao mesmo tempo tentar construir minha carreira musical. Eu precisava fazer algo que não exigisse tanto do meu tempo. Então eu fiz telemarketing por um tempo. Eu só queria fazer tudo direitinho no trabalho e poder focar na música quando chegasse em casa.

E como o selo Fade to Mind descobriu você?
Eu estava gravando com [o duo americano] Teengirl Fantasy e Ashland Mines, mais conhecido como Total Freedom, estava na sessão. Quando eu saí da cabine, ele me disse que tinha uns amigos produtores que combinariam com aquilo. Ele me colocou em contato com [o produtor] Prince Will, que veio para o meu apartamento com um monte de tracks em um pendrive e transferiu todas para o meu computador. Foi então que o processo da mixtape ["Cut 4 Me"] começou.

E qual foi a sua reação quando você ouviu as produções dessa galera?
Eu não conseguia acreditar. Parecia que a minha cabeça ia explodir. Era meu terreno, mas eu não consegui cantar em cima de várias delas. A única música na qual eu me ouvi imediatamente foi a "Scene Girl", do [produtor inglês] Jam City, que depois acabou virando "Keep It Kool".

O que você andava tocando nos seus fones de ouvido naquele tempo?
Eu estava morando com meu ex e sua banda de metal progressivo antes de conhecer o pessoal da Fade to Mind. Quando eu os conheci eu tinha acabado de ir morar sozinha, mas eu ainda tinha muita guitarra na cabeça. E eu também estava obcecada por uma banda chamada Buke and Gase.

E como foi todo o processo de produção do "Cut 4 Me"?
Eu comecei a trabalhar no disco em maio de 2012 e terminamos a mixagem e a masterização em agosto de 2013. Foi um processo de aprendizado para mim, para os produtores e para a Fade to Mind. Algumas sessões começavam pessoalmente e outras começavam e terminavam pela internet. Por conta da agenda de todo mundo (eu continuei no telemarketing por um bom tempo), as coisas levaram um tempo para terminar, mas havia muita clareza sobre o tipo de som que estávamos tentando criar.

O que inspirou suas músicas?
A maioria delas são inspiradas por um término [de relacionamento].

Desde que você lançou esse trabalho, você tem sido nomeada como uma das artistas do R&B experimental ou future R&B ou indie R&B. O que você acha disso?
Eu não tenho uma opinião sobre novos títulos de gêneros. Eu sou grata por falarem coisas positivas sobre minha música.

Como você descreveria o seu som?
Club R&B? Não tenho certeza...

Quem era sua cantora preferida de R&B nos anos 1990?
Tenho alguns favoritos. A Mariah [Carey] foi provavelmente a que eu mais tentei imitar, principalmente porque ela carrega na voz os extremos do robusto e do suave.

Além do R&B, quais são suas outras influências vocais?
Eu sempre fui muito fã de música instrumental, especialmente dos artistas da ECM Records.

Seu estilo vocal tem algo familiar, mas ao mesmo tempo faz par com produções ligadas ao underground. Você tem intenção de chegar ao mainstream?
Eu adoro música underground. E também amo músicas super pop. Quero crescer até onde der, sem deixar de ser quem sou. É disso que estou atrás, mas não sei muito bem no que isso vai dar. E eu gosto de estar aberta a possibilidades e ser exigente em relação ao que é ou não realizador.

Eu soube que você está trabalhando eu seu primeiro álbum. O que você pode dizer sobre ele [o disco "Cut 4 Me" foi lançado como uma mixtape]?
O álbum que eu imagino é forte tanto nas letras quanto na produção. Eu estou trabalhando para que esses elementos sinergizem com a minha performance vocal o máximo possível.

Podemos esperar um teaser do novo disco no festival S.U.B.?
Com certeza eu vou mostar uma música nova.

Com quem você vai subir ao palco?
Total Freedom e Loric Sih [do duo californiano Water Borders] vão se juntar a mim.


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