Folha de S. Paulo


Crítica: Mostra com obras superficiais deveria se chamar 'Truque'

O funcionamento de grandes espaços culturais criou um mecanismo um tanto perverso dentro do atual sistema das artes visuais no país. Com uma programação que funciona por meio de editais, esses locais delegaram a produtores culturais a apresentação de projetos, deixando de pensar uma programação coerente, baseada na pesquisa e na continuidade, como ocorre em grandes instituições.

Com isso, na maioria dos casos, a lógica do marketing domina a programação desses espaços, como o Centro Cultural Banco do Brasil, e as exposições programadas visam, em primeiro lugar, o maior público possível, independentemente do conteúdo.

"Ciclo", exposição em cartaz no CCBB paulista, é o exemplo mais bem acabado dessa política de terceirização da cultura.

Organizada por Marcello Dantas, competente produtor cultural que, por conta desse sistema, foi alçado a curador, a mostra é uma reunião de obras que visam criar impacto através de uma operação simples: a sobreposição de objetos semelhantes em grandes quantidades. É uma prática de efeito fácil e rápido.

Moacyr Lopes Junior/Folhapress
A obra 'Desarme', de Pedro Reyes, na mostra 'Ciclo'
A obra 'Desarme', de Pedro Reyes, na mostra 'Ciclo'

Na fachada do CCBB está "Nuvem de Parede", de Michael Sailstorfer, composta por dezenas de câmeras de ar de pneu. Já no saguão, estão outras dezenas de bancos sobrepostos, em "O Empurrão de Sansão, ou Composição", de Ryan Gander. Lá também está o monumental lustre com absorventes, "A Noiva", de Joana Vasconcelos.

No cofre do antigo banco, 10 mil palitinhos compõem "Modelo para a Sobrevivência", de Julia Castagno, enquanto, pisos acima, Tara Donovan cria uma paisagem com 700 mil copos de plástico.

As 14 obras da mostra revelam-se, assim, absolutamente superficiais, já que sua conexão é justamente o acúmulo de materiais. Dantas, no breve texto da mostra, aponta Marcel Duchamp como o precursor dessa operação quando, há cem anos, levou uma roda de bicicleta para o espaço expositivo.

A questão é que Duchamp, com essa simples atitude, trouxe um novo caminho para a arte. "Ciclo", ao contrário, apenas reforça o estado da sociedade de espetáculo que evita qualquer reflexão. O nome mais adequado para a mostra seria "Truque".

CICLO
ONDE CCBB, r. Álvares Penteado, 112, tel. (11) 3113-3651
QUANDO de qua. a seg., das 9h às 21h. Até 27/10
QUANTO grátis
AVALIAÇÃO ruim


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