Folha de S. Paulo


Intelectuais cobram dos mais jovens vigor crítico contra efeitos da ditadura

Do lado de fora do anfiteatro, ouviam-se as palavras de ordem proferidas pelos funcionários da universidade, em greve que se encerraria na última sexta-feira (19), após quase quatro meses.

Do lado de dentro, um silêncio solene assistiu ao encontro de alguns "papas" das humanidades da universidade paulista, no ciclo "O Golpe de 1964 e a Cultura Brasileira", realizado pela Universidade de São Paulo.

"Para vocês, o que explicamos aqui são teorias, correntes de pensamento. Para mim, são memórias", disse o crítico e historiador da literatura brasileira Alfredo Bosi, 78, a um público formado essencialmente por jovens.

Apu Gomes/Folhapress
O crítico Roberto Schwarz, concentrado, na USP, durante palestra na última sexta (19)
O crítico Roberto Schwarz, concentrado, na USP, durante palestra na última sexta (19)

O discurso saudosista do autor de "Dialética da Colonização" (Companhia das Letras, 1992) afirmou a existência de "uma corrente de esperança no ambiente da cultura letrada", referindo-se à época da ditadura militar (1964-1985), ao que contrapôs o que vê como "falta de elã" nos dias de hoje.

Bosi expressou seu lamento sobre "certas posições derrotistas e niilistas diante do perpétuo atraso do Brasil" assumidas por intelectuais.

"Que postura devemos ter, então, professor? A que devemos resistir?", pergunta, com nítida angústia, uma aluna.

"Aos conjuntos de verdades que se apresentam, cheias de interesses por trás. Há uma orquestração de todos os jornais em torno das mesmas ideias. Vocês têm de ser críticos", concluiu.

TERRA EM TRANSE

O encontrou fugiu do comum esquema acadêmico em que cada um dá sua palestra e vai embora. A maioria dos palestrantes permaneceu no recinto, ouvindo e dialogando com os colegas que expunham suas falas.

Foi o caso do professor de literatura José Miguel Wisnik, 65, que escutou atentamente a fala do crítico literário Roberto Schwarz, 76, e montou a sua própria em torno de pontos levantados pelo autor de "Ao Vencedor, as Batatas" (Duas Cidades, 1977).

Schwarz, por sua vez, também permaneceu sentado entre o público, muitas vezes numa pose clássica, de olhos fechados e cabeça erguida, como que concentrando-se no que era dito.

Ambos os professores articularam aspectos de suas falas em torno da cena do filme "Terra em Transe" (1967) que mostra o intelectual de esquerda calando a boca de um representante do povo.

Schwarz afirmou que, ao apontar a contraditória intolerância da esquerda revolucionária com os pobres, Caetano Veloso liberou-se, acrescentando que essa ruptura alimentaria o tropicalismo.

Wisnik, por sua vez, disse que a cena do filme de Glauber Rocha provocou a ativação de um paradoxo e abriu um diálogo que continuaria tempos depois.

E aproveitou a oportunidade para lançar uma crítica à imprensa: "Esta é uma discussão que já não tem espaço na mídia, só pode acontecer na universidade".

Schwarz ainda apontou a dificuldade que, segundo ele, os brasileiros têm com as ironias, comentando que até hoje ouve comentários que denotam incompreensão dos títulos de seus ensaios.

"Quando publiquei 'Ideias Fora do Lugar', usei um recurso de ironia brechtiana. A ideia era questionar por que as ideias ditas adiantadas pareciam sem cabimento no Brasil. Mas há gente que ainda me pergunta: 'Pois então, professor, vi lá o seu livro, que coisa, não? O que devemos fazer para que as ideias voltem ao lugar?'", contou, arrancando risos da plateia.


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