Folha de S. Paulo


Crítica: Franco Moretti mobiliza arsenal impressionante de referências

Franco Moretti anuncia no início de "O Burguês" que pretende estudar essa figura histórica refratada "pelo prisma da literatura".

A proposta do pesquisador de Stanford é investigar como ela se insinua no século 18 em obras como "Robinson Crusoé", de Daniel Defoe, consolida-se algumas décadas depois, com Goethe, Balzac, George Eliot, no "século burguês" –que enxergava com profunda "seriedade" sua existência cotidiana—, surge transfigurada nas periferias do planeta (e aqui um de seus casos é Machado de Assis) e então, misteriosamente, vai de modo lento desaparecendo em seguida, ainda que o capitalismo, a sua contraparte econômica, se torne cada vez mais dominante.

Para isso, o autor mobiliza um arsenal impressionante de referências e utiliza de modo alternado duas propostas de leitura crítica.

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O crítico e escritor italiano Franco Moretti
O crítico e escritor italiano Franco Moretti

Primeiro, a análise de recursos de prosa recorrentes e significativos (o estilo indireto livre, os "adjetivos vitorianos") e também o rastreamento de palavras-chave ("útil", "eficiente", "conforto") pinçadas em bancos de dados que reúnem centenas de romances de períodos históricos determinados e que se tornam instrumentos poderosos de discussão.

O Burguês
Franco Moretti
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O vaivém entre história e literatura, a preocupação de que os dois campos se expliquem e se iluminem mutuamente, já aparece no subtítulo do estudo, "O Burguês - Entre a História e a Literatura".

Às vezes, porém, as passagens são muito rápidas, e as constatações, muito enfáticas e definitivas. Outras vezes, a perspectiva totalizadora da obra deixa na penumbra eventuais exceções, casos que talvez a problematizassem.

Na introdução do livro, Moretti afirma que se trata de um "ensaio militante, sem nenhuma ambição enciclopédica". Não sei se é bem assim, mas sei que eventuais questionamentos não podem diminuir a força da aplicação de um método crítico tão inteligente.

ADRIANO SCHWARTZ é professor de literatura da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP.

O BURGUÊS
AUTOR Franco Moretti
EDITORA Três Estrelas
TRADUÇÃO Alexandre Morales
QUANTO R$ 45 (248 págs.)
AVALIAÇÃO ótimo


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