Folha de S. Paulo


Crítica: Livro de estreia de Murilo Mendes captou do jocoso ao sublime

Com "Poemas" (1930), Murilo Mendes estreia em cheio na modernidade. Numa carta do mesmo ano para Mário Andrade, ele reconhece a "elasticidade do meu temperamento", que, de fato, sabe captar do jocoso ao sublime, sabe tratar da matéria e do espírito.

O poeta tem consciência dessa trajetória de amplo espectro e das vantagens que lhe dão os principais recursos da modernidade que alcançou: "Estou alarmado com as reclamações contra os poemas-piada, gosto de fazê-los porque me dão agilidade de espírito. Mas não fico neles".

Impressiona, em "Poemas", a diversidade das seis seções do livro, que partem da paródia em tom humorístico de um poema canônico, "A Canção do Exílio" ("a gente não pode dormir / com os oradores e os pernilongos") e chegam a "Tentações Paralelas": "O Espírito me transporta a um lugar muito alto, / me mostra teu corpo decotado."

L Wiznitzer
O poeta mineiro Murilo Mendes em Paris (1955), durante missões culturais pela Europa
O poeta mineiro Murilo Mendes em Paris (1955), durante missões culturais pela Europa

Nem mesmo "Alguma Poesia", de Carlos Drummond de Andrade, e "Libertinagem", de Manuel Bandeira —outros estupendos livros de 1930— apresentam tamanha largueza de tons e de motivos.

Um poema como "Prelúdio" parece apresentar, com enganosa simplicidade, o projeto de um poeta que em tudo descobre novidade e, por estar também sendo projetado, aponta o futuro.

Numa carta de 1931 –publicada nesta edição de "Poemas" pela primeira vez–, Murilo Mendes escreve a Mário de Andrade que "nem você nem o Bandeira quiseram se referir aos meus entrelaçamentos com o Ismael [Nery]".

De fato, "Poemas sem Tempo", a seção final do livro, é dedicada ao amigo pintor e intelectual católico. Os poemas ali são caracterizados por uma estranha metamorfose das proporções, de natureza física e, sobretudo, espiritual.

Felizmente, a falta de referência segura sobre a influência de Ismael Nery sobre a poesia de Murilo Mendes foi soberbamente corrigida por um posfácio de Silviano Santiago a esta nova edição.

"Poemas" é um pequeno livro enorme.

POEMAS
AVALIAÇÃO ótimo


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