Folha de S. Paulo


Crítica: Sofisticado, humor de Marcelo Médici não é para qualquer baiacu

Um passarinho, ou melhor, uma galinha de encruzilhada me contou que a tão aguardada peça de Marcelo Médici, "Cada Dois com Seus Pobrema", que estreou na quarta (10) e cuja temporada grassa (olha o trocadilho!) até novembro, pode vir a incorrer em sérios pobrema.

Não costumo perder tempo ouvindo aves. Galinha é aparvalhada, fala demais e não dou trela a quem faz frila para o lado escuro da Força. Mas o dado relevante aqui é que eu gostei muito da peça.

E se eu, Barbara Gancia, mulher sofisticada (falo com isenção jornalística, não quero botar banca), conhecedora do fino humor, sei fazer rir em cinco línguas, inclusive em papiamento, me diverti à pampa com a peça, é sinal de que a maioria não vai gostar.

Preste atenção. Estou sempre fora de qualquer público- alvo. Não dou risada de stand-up, de programa de TV, de série, de filme americano, de piada de nadinha.

Mas quase morri engasgada em "Cada Um com Seus Pobrema", sucesso feérico durante uma década. Seria de se esperar que o público que assistiu à primeira peça e já conhece o corintiano Sanderson e Cleuza, empregada com TOC, esteja ávido por novos personagens.

Ocorre que "Cada Dois com Seus Pobrema" não é a Universal de Orlando, que a cada década tem uma roupagem diferente. Há uma ou duas surpresas absolutamente encantadoras que não vou contar aqui. Posso ter todos os defeitos, inclusive o de ser espírito de porco, mas não o de ser boquirrota por escrito.

O que há de novo é sutil e só será compreendido por quem sabe apreciar humor. Não me incomodou a repetição de personagens ou figurinos. Meu negócio é dar risada. E, nesse aspecto, as piadas estão bem mais sofisticadas.

É preciso ter miolo para pescar as sutilezas. Não é qualquer baiacu que há de se esbaldar. Convenhamos, Médici está dez anos mais velho do que quando escreveu a primeira "pobremática".

"Cada Dois com Seus Pobrema" adquiriu textura mais sofisticada, um tom mais "English", uma coisa assim, mais "trocadalho do carilho", sabe? Há uma brincadeira que usa a Pepsi e a Coca que só fará gente grande rir. O fã do Danilo Gentili ou do "Zorra Total" provavelmente ficará boiando no Q-Suco.

Desta vez, Cleuza vai a Miami, e a casa de Livia Arósio (espécie de Gloria Swanson em "Crepúsculo dos Deuses" –nada a ver com atrizes de sobrenome Arósio, claro) tem problemas com o combo da Net. Como diz Sanderson, a vida piorou muito porque, no Itaquerão, o ingresso está caro e o muro, alto.

As piadas, para mim, são sempre subversivas, a crítica a tudo e a todos é só o que me interessa, mas sabe lá o tipo de impacto que a escolha de não criar novidades irá causar no público.

Por enquanto, com a agilidade verbal deliciosa de Médici, seu impressionante vigor físico e sua interação com o público mais afiada do que nunca, eu ficarei torcendo como a macaca de auditório que sou.

Eu delirei, dei muita risada. Mas e o resto do público que é bem mais bronco e mil vezes mais exigente?

CADA DOIS COM SEUS POBREMA
QUANDO ter. e qua., às 21h; até 26/11
ONDE Teatro Shopping Frei Caneca, r. Frei Caneca, 569, tel. (11) 3472-2229
QUANTO de R$ 50 a R$ 70
CLASSIFICAÇÃO 14 anos
AVALIAÇÃO bom


Endereço da página: