Folha de S. Paulo


Apoiado pela ONU, blog Humans of New York viaja para áreas de risco

Quando Brandon Stanton, o fotógrafo responsável pelo enormemente popular site Humans of New York, chegou a Irbil, no Iraque, este mês, não fazia ideia do caos que estava por surgir na cidade.

"Foi uma completa coincidência eu estar lá", disse Stanton. "Cheguei ao Iraque no dia em que a represa de Mosul foi conquistada e no dia em que o Monte Sinjar foi conquistado".

Stanton é conhecido por circular pelas ruas de Nova York, fotografando pessoas e as entrevistando sobre suas vidas. Ele posta os retratos e legendas no blog Humans of New York e também no Instagram, onde seu trabalho tem mais de 1,5 milhão de seguidores, e na página do blog no Facebook, para a qual o número de seguidores supera os nove milhões. O livro homônimo que ele lançou ficou 21 semanas na lista dos mais vendidos do "New York Times", na categoria não ficção, e disparou rapidamente para o primeiro posto no ranking.

Agora Stanton decidiu desviar seu olhar para além dos cinco distritos da cidade, e documentar a vida das ruas perto de áreas perigosas e zonas de guerra de todo o mundo, em uma excursão de 50 dias patrocinada pelas Nações Unidas. Irbil foi sua primeira parada, e depois disso ele visitou um campo de refugiados na Jordânia e a República Democrática do Congo, além de Ucrânia, Haiti e Sudão do Sul.

"Esses são os lugares dos quais saem as manchetes mais extremas", disse Stanton por telefone de Jerusalém, onde estava planejando tirar fotos e depois pedir permissão à ONU para postá-las. "Esses são os lugares mais distorcidos nas cabeças das pessoas. O trabalho tem um efeito muito humanizador em lugares que são incompreendidos ou temidos".

Em um de seus posts, um homem que posa com as três filhas adultas em um mercado no norte do Iraque confessa suas preocupações quanto a conseguir sustentá-las. Em outra, um homem sentado sobre um camelo na antiquíssima cidade jordaniana de Petra discute sua filosofia de vida.

Muitas das imagens mais comoventes vêm do campo de refugiados de Zaatari, na Jordânia, onde grande número de sírios terminou refugiado, depois de fugirem à guerra civil em seu país. As histórias que essas fotos contam muitas vezes envolvem a morte de um parente ou vizinho.

Ainda que Stanton tenha conquistado grande número de seguidores, alguns especialistas em fotografia sugerem que há limites para o impacto do conteúdo que ele oferece. Nina Berman, professora associada da Escola de Pós-Graduação em Jornalismo da Universidade Colúmbia e fotógrafa responsável pelo livro "Purple Hearts: Back from Iraq", sobre veteranos norte-americanos feridos na guerra do Iraque, elogiou o trabalho de Stanton mas disse que a série de fotos de viagem "não tem espaço para complexidade, não oferece informações históricas e não oferece acesso ao quadro mais amplo". Ela acrescenta: "É uma maneira que parece segura e aconchegante de obter notícias sobre lugares assustadores e inacessíveis".

As fotos receberam dezenas de milhares de comentários no Facebook. O sentimento expresso com mais frequência é "eles são como nós", e algumas das observações parecem ingênuas: um comentarista não sabia que existem shopping centers no Oriente Médio, e outro achava que a região era só "areia e aldeias formadas por tendas". Outras conversações inevitavelmente se tornam políticas, como a que envolve a guerra entre Irã e Iraque.

A viagem é um instrumento de promoção para as Metas de Desenvolvimento do Milênio, da ONU, uma missão em oito partes cujo foco é reduzir a pobreza, proteger o meio ambiente e promover a paz, entre outros objetivos.

Corinne Woods, diretora de uma campanha da ONU em favor da iniciativa, disse que seu grupo havia abordado Stanton para propor a excursão. Embora a campanha tenha contratado fotógrafos para promover sua missão no passado, disse Woods, ela raramente encontra um parceiro com alcance semelhante ao do Humans of New York.

"Brandon é um fotógrafo, um contador de histórias e um fenômeno na mídia social", ela disse. "Essa combinação nos parecia muito saliente".

Reprodução/humansofnewyork.com
O site Humans of New York
O site Humans of New York

Stanton, 30, se mudou para Nova York e começou a fotografar depois de perder o emprego como operador de títulos em Chicago, em 2010. Meses depois de começar a postar as fotos, ele iniciou as entrevistas, postando trechinhos de conversa em companhia de suas imagens. Começou a ganhar seguidores, o que resultou na publicação de seu primeiro livro, em outubro. "Little Humans", um livro cujo foco são as crianças, sai até final deste ano.

Stanton professa ser apolítico. "Propositada e cuidadosamente tento evitar a imposição de significados ao meu trabalho", ele diz. Mas críticos de seu projeto dizem que é enganoso sugerir que há como evitar o aspecto político, especialmente nos lugares que ele agora está visitando.

Brianna Cox, aluna de pós-graduação que está pesquisando pensamento social na Universidade de Nova York, contesta a postura de Stanton e contestou o trabalho do Humans of New York no passado. Recentemente ela publicou um relato sobre ter um comentário barrado no blog quando acusou o tema de uma foto, um professor branco frustrado em uma escola do Harlem, de racismo implícito. Cox foi severamente criticada pela comunidade on-line por mencionar a questão da raça, e afirma, de sua parte, que os seguidores do blog tendem a minimizar as diferenças quanto a raça e religião.

Sobre o atual projeto, ela diz que "me preocupo por as pessoas não pensarem além daquilo que lhes está sendo dado. Afirmar-se apolítico é uma escolha, e essa escolha o alinha ao status quo."

Mas Stanton diz que evitar a política o ajuda a se concentrar na vida cotidiana das pessoas que lhe servem de tema. "Tento sempre ampliar minha conscientização quanto ao espectro de experiências humanas", ele diz. "A profundidade e extensão das tragédias que as pessoas enfrentam, sem que isso as impeça de continuar, de viver e de rir, vem sendo um verdadeiro choque".

Tradução de PAULO MIGLIACCI


Endereço da página:

Links no texto: