Folha de S. Paulo


'Banda de guitarra', Interpol tenta reviver começo impactante

Agora um trio, os nova-iorquinos do Interpol estão de volta. "El Pintor", quinto disco da banda, é o primeiro sem o baixista Carlos Dengler.

Segundo o baterista Sam Fogarino afirmou à Folha, ele e os companheiros remanescentes, o vocalista Paul Banks e o guitarrista Daniel Kessler, decidiram não procurar um substituto para Dengler.

"Uma pessoa como ele, única, talentosa e complicada, só aparece uma vez na vida. Não há sentido em tentar encontrar outra", conta.

Divulgação
A partir da esquerda, Daniel Kessler, Paul Banks e Sam Fogarino, a nova formação do Interpol
A partir da esquerda, Daniel Kessler, Paul Banks e Sam Fogarino, a nova formação do Interpol

O músico define que, na ausência do baixista, eles voltaram a ser "uma banda de guitarra, com músicas diretas", como nos dois primeiros discos: "Turn on the Bright Lights" (2002) e "Antics" (2004).

Na época, o Interpol surgia como um nome forte na explosão de novas bandas de rock, como os contemporâneos White Stripes e Franz Ferdinand.

Os dois discos mais recentes, porém ("Our Love to Admire", de 2007, e "Interpol", de 2010), foram recebidos com frieza tanto pela crítica quanto pelo público.

"El Pintor", que sai oficialmente na próxima semana, é precedido pelo single poderoso "All the Rage Back Home", que já tem até vídeo oficial lançado.

Vídeo

Assista ao vídeo em tablets e celulares

Desde o começo do ano, o Interpol vem tocando suas novas composições em shows.

Para Fogarino, a resposta do público a essas músicas mostra que o disco novo tem mais a ver com os dois primeiros do grupo, tendo potencial para angariar novos fãs para a banda.

O músico diz acreditar que o impacto de "El Pintor" nos fãs será parecido com o que os discos iniciais tiveram na década passada.

Ele nega, entretanto, que tocar mais músicas dos discos iniciais em shows signifique renegar os últimos.

"Para ser sincero, os dois primeiros discos são mais fáceis de tocar", diz, aos risos.

EL PINTOR
ARTISTA Interpol
GRAVADORA Lab 344
QUANTO R$ 29,90

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Leia a íntegra da entrevista com Sam Fogarino, o baterista do Interpol.

Folha - O Interpol ficou longe dos holofotes por um tempo antes de "El Pintor". Essa pausa foi planejada?
Sam Fogarino - Bem, o que acontece é o seguinte: nós lançamos o último disco em 2010. Depois, saímos em turnê entre esse ano e 2012, ou seja, um ano e meio viajando. Então, demos uma pausa de alguns meses, eu e Paul lançamos discos solo. Finalmente, chegamos a 2013, ano em que compusemos "El Pintor". Nós o gravamos em novembro e ele foi remixado no começo do ano. E agora estamos aqui. Quatro anos que passaram voando. Nunca houve uma grande pausa de verdade. Foi mais em 2012 mesmo, já que voltamos a trabalhar em 2013. É difícil acreditar que quatro anos se passaram, não houve uma grande pausa de lazer. Uau, quatro anos [risos].

Essas novas músicas parecem mais acessíveis que as do disco anterior. Como isso aconteceu? Você concorda que elas são mais diretas?
Eu acho que você resumiu tudo em uma palavra: elas são mais diretas sim. Eu não sei, não é algo planejado, é difícil planejar o que você quer fazer musicalmente.

Quando estávamos compondo, algumas músicas, como "Same Town, New Story" e "Twice As Hard", quando eu as ouvi "cruas", enquanto ainda estavam sendo escritas, pareciam muito abstratas. Elas se pareciam mais com uma trilha sonora do que com música pop. Eu ficava pensando, "nossa, o que eu vou fazer com essas músicas?".

Mas as coisas foram acontecendo. No processo de composição, é comum que o ritmo do que estamos fazendo afete as músicas. E, quando menos percebi, elas estavam numa forma mais condensada. Quando Paul colocou os vocais então, eu fiquei, "uau, então é aí que está a música!". Foi surpreendente para mim elas terem ficado muito mais acessíveis a partir disso.

Não é nada planejado. Mas havia um desejo de sermos mais diretos e imediatos nesse disco. Levamos oito meses para compor "El Pintor" e tocamos essas músicas muitas vezes antes de entrar no estúdio. Isso é o que dita a direção real do álbum.

E tem uma coisa: no começo de tudo, eu disse para a banda que seria incrível se o foco voltasse a ser nas guitarras. Aquela coisa que Paul e Daniel fazem e que há algum tempo nós não fazíamos. E eles concordaram, sentiram que era o momento certo.

Vocês são um trio agora. O que mudou na banda, musicalmente e na interação entre vocês?
Nós nos tornamos mais próximos —o que faz sentido, ao se perder um membro. A primeira coisa decidida é de que não haveria um substituto para Carlos. Por mais de uma razão: uma pessoa assim não pode ser trocada. Uma pessoa como ele, única, talentosa e complicada, só aparece uma vez na vida. Não há sentido em tentar encontrar outro igual! [risos]

Depois, nos demos conta de que éramos só nós três e tínhamos que dar conta do recado. E quando se é um trio, na hora de compor, não dá para fazer arranjos loucos de teclado ao mesmo tempo.

A diferença nesse processo é de que, ao compor, tínhamos o Daniel tocando guitarra, o Paul no baixo e eu na bateria, e com uma formação tão mínima, precisamos tomar cuidado para ver se o que estávamos fazendo realmente funcionava.

A base era essa. Podíamos construir em cima dela depois, mas a base tinha que ser muito sólida. Quando não dava certo, ficava muito evidente. Com sorte, deu certo na maior parte das vezes.

Quando o Interpol apareceu, em 2002, havia um frenesi de bandas novas, como The Strokes, The White Stripes, Franz Ferdinand, etc. Havia algo de fato acontecendo na cena musical. Como você vê isso agora? Você detecta algo diferente acontecendo, mais de dez anos depois?
Bem, é difícil falar sobre um período de tempo quando ele ainda está acontecendo. Na última década, parece que muita gente migrou para Williamsburg e Manhattan [locais onde diversas bandas surgiram na década passada] e tem muita gente fazendo música. Aliás, é como se todos fossem músicos, jornalistas e fotógrafos, e tudo isso usando apenas o celular. [risos]

Não parece que há espaço para algo realmente se destacar. Nos anos 2000, alguém podia simplesmente ir para Nova York e olhar no "Village Voice" [jornal local dedicado ao anúncio de eventos] e entender o que estava acontecendo. Agora isso é muito mais difícil. Ou talvez, não sei, eu esteja dizendo isso porque agora sou um homem de meia-idade. [risos]

Sobre isso, você acha que uma geração nova de fãs do Interpol se formou nesse tempo? Quer dizer, há adolescentes hoje que gostam de vocês e eram crianças quando "Antics" [segundo disco do Interpol, lançado em 2004] foi lançado.

Eu sei. Isso é loucura! Você nunca acha que vai acontecer, mas, à medida que você vai envelhecendo, o tempo não parece passar tanto assim. Um jovem de 14 anos, em dez anos, terá 24. É uma grande diferença. Agora, de 24 para 34, não parece haver tanta mudança assim.

Por isso, é difícil para eu entender que jovens de 16 anos que gostavam da gente no início da nossa carreira já têm 30. Já dei entrevista para gente que tinha 13 anos quando lançamos "Turn On The Bright Lights" [primeiro disco do Interpol, de 2002]. É incrível, porque eu não me sinto tão diferente assim, de lá para cá.

Mas aconteceu comigo também. Eu cresci ouvindo Led Zeppelin, que minha mãe colocava para tocar em casa, e quando o último disco deles saiu, eu já era crescido e fui lá e comprei o disco por mim mesmo. Acho que é o que acontece com os fãs do Interpol atualmente. Mas é a melhor coisa que poderíamos ter: o poder de cruzar gerações. É algo muito bonito.

Vocês já tocaram algumas dessas novas músicas ao vivo. Gostaram da reação do público a elas?
Gostamos. Começamos a tocá-las em março e as pessoas não conheciam essas músicas. Claro, a reação então foi muito diferente do que a de quando você toca um hit, como "Slow Hands".

Mas agora, que já lançamos até o vídeo de "All The Rage Back Home", essa reação está ficando cada vez maior. As músicas começam a soar mais familiares. Sinto que, quando "El Pintor" sair, para os jovens que começaram a ouvir Interpol recentemente, isso vai dar uma sensação relevante para eles. Esse disco tem muito a ver com os nossos primeiros.

Sobre o setlist de shows, me parece que, nos últimos que vocês fizeram, é bastante evidente que vocês preferiram tocar as músicas desses dois primeiros discos do que as dos dois últimos. Isso é verdade?
Para ser sincero, os dois primeiros discos são mais fáceis de tocar [risos].

Acho que isso tem a ver com tocar em muitos festivais. Esses dois primeiros discos são mais imediatos. É um bom sinal ter obras passadas que te dão condições de montar um setlist decente.

Os outros discos, "Our Love To Admire" [o terceiro disco, de 2007] e "Interpol" [o quatro, de 2010], eles parecem ser mais apropriados para tocarmos depois de o sol se pôr. E são de fato mais complicados para tocar ao vivo, sabe, para achar uma versão que fique legal de se tocar em shows.

Quando "El Pintor" sair e nós formos headliners de festivais, teremos shows mais longos e aí poderemos explorar mais os outros discos. Prometemos visitar mais esse período.

Daniel já declarou que o processo de gravação de "El Pintor" foi diferente, mais longo, uma vez que vocês não se obrigavam a trabalhar nele de segunda a sexta. Como foi isso?
O que aconteceu é que eu estava morando em outra cidade e ia para Nova York duas semanas por mês apenas. Aí, nós trabalhávamos sem folga durante esse tempo. Mas depois, por outras duas semanas, eu ia para casa e descansávamos.

Para mim, isso foi maravilhoso. Porque você trabalha duro durante muito tempo e aí, vem a distância, que te dá perspectiva sobre o que você está fazendo. Quando eu morava em Nova York, simplesmente não havia pausa.

E o Daniel é um chefe duro. Ele não gostava nem de que a gente parasse para almoçar [risos]. Eu acho que essa distância do que você está fazendo serve para refletir sobre o que você está fazendo, tempo para respirar. Quando você volta, porém, está disposto e cheio de energia de novo. É assim que esse disco nasceu.


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