Folha de S. Paulo


Crítica: Broch faz defesa apaixonada de humanismo em coletânea

A publicação de "Espírito e Espírito de Época", de Hermann Broch, em excelente tradução de Marcelo Backes, deve ser saudada como um importante lançamento. Um dos maiores escritores de expressão alemã, o austríaco Broch se destaca também brilhantemente como ensaísta.

Deve-se, todavia, ter o cuidado de não reduzir as interpretações da ficção de um autor às declarações que este faz em outros tipos de texto. Isso porque uma obra romanesca tão densa quanto a de Broch não se sustenta em teses, ao contrário de seus ensaios, que debatem objetivamente o chamado Zeitgeist, traduzido em geral por "Espírito de época".

Nos seis ensaios que enfeixam a coletânea, em particular no que dá título ao livro, o autor de "A Morte de Virgílio" faz defesa apaixonada da tradição humanista ocidental.

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O autor austríaco Hermann Broch
O autor austríaco Hermann Broch

Judeu convertido ao cristianismo, Broch crê que a história humana é feita de ascensões e declínios, e que desde o século 19 até o momento em que escreve, na primeira metade do século 20, ocorre o triunfo do positivismo e a decadência da cultura.

Esse traçado algo linear deve bastante ao pensamento de Hegel. O filósofo alemão foi o grande metafísico a levar às últimas consequências uma teoria do Espírito (Geist, também traduzível por mente), tendo, entre outros parâmetros, a religião cristã. Quase simultaneamente à fundamentação da dialética hegeliana, Augusto Comte e discípulos teriam lançado as bases do racionalismo científico, que viria a corroer a unidade espiritual do mundo.

Na pena de Broch, "Espírito de época" representa, em princípio, a totalidade significativa que preside uma época e que muitas vezes escapa aos contemporâneos.

Espírito e Espírito de Época
Hermann Broch
Hermann Broch
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Mas "Espírito de Época" é também a Época do Espírito, como expressão máxima de uma totalidade, de que só o misticismo pode dar conta. Assim, a aposta que se faz é no sentido de, após o declínio, ocorrer uma ressurreição filosófica e teológica, como resgate da unidade primeira.

No século 21, a potência e os limites desse idealismo filosófico já foram bem demarcados, sobretudo na trilha dos questionamentos de Nietzsche, que nos retiraram em definitivo do solo teológico. Reinventaram-se, assim, outras possibilidades do humano, não derivadas do que Broch nomeia como "Espírito europeu".

E é mesmo como expressão de certo espírito de época europeu, com algumas consequências devastadoras para o resto da humanidade, que esses ensaios merecem ser lidos e amplamente discutidos.

ESPÍRITO E ESPÍRITO DE ÉPOCA
AUTOR Hermann Broch
TRADUÇÃO Marcelo Backes
EDITORA Benvirá
QUANTO R$ 49,90 (288 págs.)
AVALIAÇÃO bom


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