Folha de S. Paulo


Festival de Veneza começa hoje sem o Brasil na disputa

Não há filmes do Brasil na corrida pelo Leão de Ouro no 71º Festival de Veneza, que começa nesta quarta (27).

Em 2014, o país também passou em branco na disputa pela Palma de Ouro, em Cannes. A ausência na competição central das três maiores mostras do mundo só não foi completa porque, em fevereiro, "Praia do Futuro", de Karim Aïnouz, disputou Berlim.

Para produtores, distribuidores e órgãos de estímulo à atividade cinematográfica no Brasil, a presença tímida do produto nacional passa por fatores como roteiros fracos e uma busca estereotipada dos curadores desses festivais por títulos "made in Brazil".

Editoria de Arte/Folhapress

Receber um convite para esses eventos significa acessar uma plataforma privilegiada de mídia e repercussão crítica. Boas resenhas impulsionam vendas internacionais, o que faz entrar mais dinheiro na indústria do país de origem do título comprado e fomenta contatos que podem resultar em acordos de coprodução.

Nesse sistema, ser escalado para a competição "premium" (ao lado das novidades de Almodóvar, Haneke, Sokúrov, irmãos Dardenne e irmãos Coen, por exemplo) é o equivalente a surgir na novela das 21h ou no carro abre-alas de um desfile de Carnaval.

Nos últimos dez anos, 24 longas nacionais (ou coproduções) estiveram na principal seção dos seis mais importantes festivais estrangeiros (veja quadro ao lado).

A Argentina, com produção total próxima à brasileira (166 ante 129 em 2013), emplacou 33 filmes no período (38% a mais que o Brasil).

SIMPLICIDADE ARGENTINA

"Falta qualidade criativa", diz a produtora Sara Silveira, que produziu mais de 20 longas na última década. "Daqui a dez, 15 anos, chegamos ao nível da Argentina. Eles têm uma simplicidade para contar histórias que não temos, fazem diálogos melhores."

Já André Sturm, presidente do programa Cinema do Brasil (que visa incentivar a circulação por festivais e circuitos exibidores estrangeiros), atribui a participação errática do país ao número reduzido de trabalhos que estejam "entre a comédia da Globo Filmes e estes muito autorais, experimentais".

"A qualidade está diretamente ligada à quantidade. Se fazemos dois ou três assim por ano, as chances de se ter algo incrível nesse meio-termo diminuem. É quase um tiro único", avalia ele. "Os argentinos rodam por ano dez filmes que dialogam com a classe média e tratam de dramas familiares ou pessoais, mas que não são super fechados."

O agente de vendas radicado nos EUA Sandro Fiorin, criador da distribuidora especializada em cinema latino-americano FiGa Films, faz coro. "A nossa produção aumentou nos últimos anos, mas a parcela autoral dela é quase sempre de apelo restrito. Não são filmes que viajam, que se comunicam fora. Tenho dificuldade em achar", afirma.

Para Manoel Rangel, presidente da Ancine (Agência Nacional do Cinema), a síntese de prestígio e comunicabilidade que cria "filmes de festival" -esse Graal entre o puramente comercial e o hermético destinado a poucos- será tão mais frequente no Brasil quanto mais os diretores "tomarem a temperatura do tempo".

"Somos a sétima economia do mundo, temos pesquisa de ponta, 78% de população urbana, cidades médias sem favelas. Esse país o mundo não conhece. E nossos cineastas, em geral muito ligados aos cenários europeu e americano, aproximam-se dele lentamente e com dificuldade", acredita.

Ele critica ainda a expectativa defasada dos comitês de seleção dessas competições de primeiro escalão.

"Até pouco tempo atrás, a maior parte dos curadores tinha uma ideia restrita do cinema brasileiro. Eles buscavam ora o sertão do Cinema Novo [movimento surgido nos anos 1950], ora o favela movie' na linha de Cidade de Deus' [de 2002]", descreve.

"A cabeça dos programadores desses festivais não acompanhou a evolução do país", concorda Fiorin. "E em Cannes, especificamente, vai ser difícil emplacarmos enquanto não mudar a direção artística. Thierry Frémaux [atual chefão da mostra francesa] sempre teve antipatia pelo Brasil."

Sturm elege o mesmo carrasco. "Na homenagem que ele fez ao Brasil em 2012, o cineasta mais novo tinha 75 anos. É uma vergonha. Fica parecendo que o nosso cinema acabou na década de 1970."

ENTRAVES E SOLUÇÕES

Para o mercado nacional, a solução passa por coproduções com outros países. "Quase não tem filme argentino em mostra grande que não seja coprodução com a Espanha ou com a França", aponta Sturm. "Quem bota os longas lá é o parceiro europeu."

Mas esse processo esbarra na burocracia brasileira. "As pessoas desistem no meio do caminho, quando descobrem a papelada...", diz o distribuidor Sandro Fiorin.

Mas a distância do mercado nacional em relação aos czares dos grandes festivais também dificulta a entrada na corrida, por exemplo, por uma Palma de Ouro. "Em Cannes, você precisa ter uma relação [com os comitês de seleção] para entrar", diz a produtora Sara Silveira, com trabalhos já escalados para as seções Um Certo Olhar e Semana da Crítica.

O país tenta superar esse entrave com um corpo a corpo com os olheiros de festivais internacionais. Desde 2013 uma dezena deles é trazida ao país para assistir a até dez obras em finalização.

O produtor Fabiano Gullane, de "O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias" (competição de Berlim-2007), elogia a iniciativa.

"Há dez, 15 anos, o Brasil não existia na pauta internacional, salvo por Babenco e Walter Salles. Hoje, 40, 50 produtoras colocam filmes nas mãos de agentes de venda importantes, e os nossos cineastas têm carreiras seguidas pelo mercado", afirma.


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