Folha de S. Paulo


'Humor é forma de enfrentar a realidade', diz o autor israelense Keret

O encontro entre o israelense Etgar Keret e o mexicano Juan Villoro, na tarde deste sábado (dia 2), foi um dos melhores momentos da 12ª edição da Flip.

Ótimos oradores, os dois escritores fisgaram a atenção do público. Conseguiram conciliar reflexão sobre literatura, comentários políticos e humor na medida. Não foram herméticos, nem rasos.

O tom irônico já se manifestava no título do debate, "A Verdadeira História do Paraíso", referência à sátira religiosa que Millôr Fernandes publicou na revista "Cruzeiro" nos anos 1960.

Danilo Verpa/Folhapress
Etgar Keret (esq.) e Juan Villoro (dir.) durante mesa da Flip
Etgar Keret (esq.) e Juan Villoro (dir.) durante mesa da Flip

O paraíso, nas visões de Keret e Villoro, também nada tem de angelical –muitas vezes, na verdade, é difícil distingui-los do inferno. Os dois fazem de seus livros um retrato da beleza e do horror de seus países.

Keret lança no Brasil "De Repente, uma Batida na Porta" (Rocco), coletânea de contos que prima pelo humor negro e surrealismo. Ele leu trecho de um deles no começo do debate. "Goiaba" conta a história de um homem que, em seus últimos segundos de vida, faz um último pedido a um anjo: apenas "a paz mundial".

A temática da história serviu de mote para o mediador Ángel Gurría-Quintana propor a Keret uma reflexão sobre a ofensiva militar israelense iniciada na Faixa de Gaza há quase um mês.

"Essa ideia de paz mundial é um pouco messiânica, uma coisa relacionada a Deus. Acontece que os conflitos são feitos pelos homens e são resolvidos pelos homens. Precisamos chegar a um meio termo, e para isso cada lado precisa abrir mão de alguma coisa para tornar a vida mais tolerável", disse.

"Podemos fazer muita coisa a respeito do conflito", completou. "É só um pedaço de terra que pode ser dividido em dois lados."

De short, meia branca e tênis, Keret foi o destaque do debate. Disparou uma sucessão de frases certeiras e fez uma bela defesa do poder da fabulação contra os horrores do mundo real.

"O humor é uma forma para enfrentar a realidade. Quando você vai pegar uma panela quente, você precisa de uma toalha. O humor para mim é a toalha –uma forma de tocar algo que não pode pegar."

No romance "Arrecife", o mexicano Villoro também retrata uma espécie de "paraíso fracassado", no qual os personagens são assombrados pelo tédio e pela violência desenfreada.

"É difícil ser indiferente às coisas que acontecem ao redor de nós. Uma coisa importante da literatura é manter um senso de humor e de esperança mesmo em meio à catástrofe. A felicidade e o humor continuam a ser possíveis."

O público empolgou-se em vários momentos da conversa. Um dos mais aplaudidos foi estimulado por uma pergunta da plateia. Um dos ouvintes queria saber a opinião de Keret sobre uma declaração recente de um membro do governo de Israel, que classificou o Brasil de "anão diplomático".

"Não sabia disso. Mas me parece uma idiotice. Em Israel, em momentos de guerra, quanto mais fervorosas, mais agressivas as pessoas são. Em dias melhores, teríamos uma resposta mais inteligente."


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