Folha de S. Paulo


Crítica: Livro de Alarcón é esconde-esconde em que ninguém se encontra

Narrativas e jogos compartilham aspectos estruturais. Afinal, a proposição montada com tracinhos pretos sobre fundo branco pelo escritor deve ser resolvida pelo leitor. Obras inteiras foram erigidas com jogos em mente, como é o caso de Georges Perec e o quebra-cabeças, Mallarmé e o xadrez, Cortázar e seu jogo da amarelinha.

Nada se compara, porém, a Perec e sua visão do puzzle ("enigma"): "todo gesto que faz o armador de puzzles, o construtor já o fez antes dele". Toda esperança e todo esmorecimento foram calculados pelo outro. A ficção é um infernal jogo dantesco.

Livro
A Noite Andamos Em Círculos
Daniel Alarcon
A Noite Andamos Em Circulos
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Segundo romance do peruano-ianque Daniel Alarcón (Lima, 1977, radicado nos EUA desde a infância), "À Noite Andamos em Círculos" é eficazmente montado (como um jogo) num país andino da América do Sul nunca nomeado. O autor participa no domingo (2), às 12h, de debate com a atriz e colunista da Folha Fernanda Torres na Flip (Festa Literária Internacional de Paraty).

A questão do jogo do livro está no cerne da trama em torno de um grupo de teatro experimental, o Diciembre, cujo auge ocorreu no início dos anos 1980, antes da guerra civil que assolou o país.

Liderado por Henry Nuñez, o grupo sai de cena quando seu dramaturgo e principal ator é acusado de terrorismo e preso após encenação de "O Presidente Idiota", peça de ideário estridentista cujo principal alvo é o cidadão representado pela plateia, aos moldes do pensamento de Guy Debord ("nada de importante pôde comunicar-se poupando o público"), aludido no título e na epígrafe.

Além de Henry, há Nelson, ator de 23 anos obcecado pelo Diciembre que se incorpora ao grupo, ressuscitado vinte anos depois para uma turnê pelo interior do país.

O jovem, recém órfão de pai e relegado pelo irmão mais velho que se exilou nos EUA sem cumprir a promessa de levá-lo, foi penabundeado pela namorada. Henry, em seu período como prisioneiro político, apaixonou-se por seu companheiro de cela, Rogelio, morto em um incêndio na mesma prisão. Assombrado pela lembrança, Henry leva o Diciembre ao vilarejo natal do ex-amante. Lá, veem-se encalacrados em verdadeiro impasse: senil, a mãe de Rogelio pensa que o filho ainda vive. E Nelson é obrigado a assumir tal papel.

Narrado por um repórter que reúne peças do puzzle através de depoimentos, o romance –cujo mote lembra "Mulher das Dunas" (1962), de Kobo Abe–, é um jogo de esconde-esconde no qual, ao final, ninguém é encontrado.

JOCA REINERS TERRON, 45, é autor de "A Tristeza Extraordinária do Leopardo-das-Neves" (Companhia das Letras)

À NOITE ANDAMOS EM CÍRCULOS
AUTOR Daniel Alarcón
TRADUTOR Rafael Mantovani
EDITORA Objetiva
QUANTO R$ 39,90
AVALIAÇÃO ótimo


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