Folha de S. Paulo


Mesmo após crise, dinheiro aumenta influência política, diz Ferguson

Há pouco mais de um ano, quando tentava produzir um documentário sobre Hillary Clinton, o cineasta e escritor Charles Ferguson teve uma conversa que considera esclarecedora com o ex-presidente Bill Clinton.

Clinton não tentou diretamente dissuadi-lo do projeto —que acabou sendo cancelado— mas impressionou Ferguson.

"Ele claramente não sabia o quanto eu entendia da crise de 2008 [Ferguson fez um documentário sobre o tema, "Trabalho Interno", vencedor do Oscar de 2010], e me contou algumas mentiras absolutamente extraordinárias sobre sua administração. Os Clintons se tornaram pessoas politicamente muito cínicas".

Na manhã deste sábado (2), Ferguson divide uma das mesas da Flip com o jornalista Glenn Greenwald, que revelou os programas de espionagem de cidadãos montados pela NSA, a partir de documentos obtidos pelo ex-analista da agência Edward Snowden.

Leia, abaixo, trechos da entrevista de Charles Ferguson à Folha:

Danilo Verpa/Folhapress
O documentarista Charles Ferguson em Paraty, onde participará da Flip 2014
O documentarista Charles Ferguson em Paraty, onde participará da Flip 2014

FOLHA: O Sr. vê semelhanças entre o que aconteceu nos Estados Unidos em 2008 e a atual crise argentina, que pode se refletir no Brasil?

CHARLES FERGUSON: Algo que nossas sociedades compartilham agora são as dificuldades relativas ao impacto do dinheiro na política. Tenho a sensação de que melhora no Brasil, partindo de uma situação ruim, enquanto nos Estados Unidos nos últimos 24 anos há uma piora constante, mesmo depois de tudo o que aconteceu em 2008. Decisões recentes da Corte Suprema fazem com que o dinheiro aumente seu poder na política. Reduziram, até quase eliminar os limites do uso do dinheiro na política. Afrouxaram, por exemplo, decisões anteriores a respeito de doações anônimas.

O Sr. provavelmente vai falar para uma plateia onde estarão alguns grandes doadores brasileiros...

Tive experiência parecida nos Estados Unidos quando "Trabalho Interno" foi exibido no Festival de Cinema de Nova York. Mao final, oito das pessoas que aparecem no filme foram ao palco comigo. Na plateia estavam vários patrocinadores do festival, muitos deles banqueiros e investidores criticados no filme. Parece que eles não gostaram muito.

Entre seus projetos futuros havia um filme sobre Julian Assange e outro sobre Hillary Clinton. Como ficaram esses projetos?

Ambos foram cancelados. O primeiro por problemas normais da indústria. Seria um filme de ficção, mas o roteiro passou por várias versões e não ficava bom. No final a HBO decidiu cancelar projeto, uma decisão normal nessa indústria, sem nenhuma implicação política.

Hillary foi diferente. Ela e todo seu grupo deixaram extremamente claro que não queriam o filme. Pressionaram a CNN [produtora], que resistiu, mas pressionaram também todos que conheciam e deixaram claro que qualquer um que falasse comigo se tornaria um inimigo. Não consegui ninguém para falar. Não conseguiria fazer um filme interessante, do qual me orgulhasse, então cancelei.

Um grande motivo para as pessoas não falarem comigo é a esperança de conseguir um emprego em sua administração se ela for eleita presidente. Mas apenas 10% deles vão conseguir esses empregos. Depois das eleições pode ser, então, que muitos decidam falar comigo.

O Sr. trabalhou como consultor de vários órgãos do governo norte-americano. Chegou a conhecer os Clinton?

Nunca a encontrei, só a ele. Tivemos algumas conversas substanciais, incluindo uma quando ainda trabalhava no projeto Hillary. Ele não me disse diretamente para não fazer o filme, também não me deu nenhuma informação. Foi uma longa conversa sobre a crise financeira e ele claramente não sabia o quanto eu entendia do assunto, então me disse algumas mentiras absolutamente extraordinárias sobre sua administração. Os Clinton se tornaram pessoas politicamente muito cínicas.

De que forma o Brasil está incluído em seu próximo projeto, um documentário sobre a relação entre meio ambiente, sustentabilidade e produção de energia?

É um filme ambicioso, com imagens do Brasil, África, China, Indonésia e Estados Unidos. Aqui os focos são o uso do solo para agricultura, desmatamento, como um bom ou mau planejamento urbano afeta a demanda de energia e seu uso. Também vamos filmar situações ligadas ao uso de energia renovável no Brasil. Mas você não verá isso tão cedo, só no fim de 2015.

No sábado o sr. divide uma mesa muito aguardada na Flip, com o jornalista norte-americano Glenn Greenwald. Os senhores já se encontraram para conversar sobre a apresentação?

Eu não o o conheço, nunca o encontrei, mas estou muito curioso com esse encontro.


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