Folha de S. Paulo


'Perdemos último grande dramaturgo do Brasil', diz Fernanda Montenegro

A morte do escritor e dramaturgo Ariano Suassuna, ocorrida nesta quarta-feira (23), aos 87 anos, foi repercutida por diversas personalidades do mundo da arte e da política.

O autor de "O Auto da Compadecida" estava internado desde segunda-feira (21) no Real Hospital Português, após sofrer um AVC hemorrágico.

"Era uma personalidade muito especial, muito inteligente, muito talentoso, que deixa uma obra de valor inestimável à literatura e ao teatro brasileiro", afirmou o poeta, cronista, crítico de arte e colunista da Folha Ferreira Gullar.

"Ele tinha um talento muito amplo, fez poesia, teatro e ficção de muita qualidade. Ariano tinha grande identificação com a região onde nasceu e viveu, tanto que o Movimento Armorial, criado por ele, tinha como objetivo resgatar a cultura daquela região". continuou. Em poucos dias, perdemos três grandes figuras da literatura brasileira: Ivan Junqueira, João Ubaldo Ribeiro e agora Ariano Suassuna. É uma coisa horrível."

Veja abaixo o que disseram outras personalidades sobre a morte de Ariano Suassuna.

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"O Brasil perdeu hoje uma grande referência cultural. Escritor, dramaturgo e poeta, Ariano Suassuna foi capaz de traduzir a alma, a tradição e as contradições nordestinas em livros como 'Auto da Compadecida' e 'Romance d'A Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta'. A obra de Suassuna é essencial para a compreensão do Brasil. Guardo comigo ótimas recordações de nossos encontros e das suas histórias. Aos familiares, amigos e leitores, meus sentimentos neste momento de perda."
DILMA ROUSSEFF, presidente do Brasil, em nota

"Ariano para nós é um tio, um avô, um pai, um amigo, um companheiro, uma referência. É uma lacuna muito grande. Eu ontem cheguei, essa manhã me despedi dele aqui, agradecendo tudo o que ele fez por muitas gerações, muitas pessoas sobretudo para a cultura brasileira. Hoje é o dia de aplaudir uma vida tão bela como a vida dele. A vida de Ariano foi tão bonita quanto as suas obras. Eu tive o privilégio de conhecer as obras e a vida de um grande homem, Ariano Suassuna. A saudade é enorme."
EDUARDO CAMPOS (PSB-PE), ex-governador de Pernambuco e presidenciável, e que conhecia o escritor desde a infância, à Folha

"É uma notícia que vai além da tristeza. Conhecia bastante a obra dele. Conheço o Suassuna, bem como a senhora dele, desde 1957, quando a 'Compadecida' veio ao Rio de Janeiro trazida pelo grupo da Universidade de Recife, nos aproximamos nessa época. Inclusive lembro que nessa ocasião fomos ver 'A Estrada', do Felini, nós quatro, Fernando, eu, ele e a senhora dele. Sempre nos cruzamos muito. Ele era um conferencista deslumbrante, que fazia encontros memoráveis e a gente sempre se encontrava. Depois, na TV eu fiz a 'Compadecida'. Sei da obra dele, da importância dele, da posição tão nacionalista dele, no melhor sentido da palavra. Nós perdemos o último grande dramaturgo deste país. Um homem que tinha um conhecimento profundo da nossa cultura. Conhecia nossas raízes culturais como poucos. E tinha também orgulho dessas raízes. Ele sabia de onde viemos. Eu pude acompanhar muita coisa dele e sempre vi que ele trabalhou para defini-las e também direcioná-las. A minha geração perde, como essa geração tá indo embora fulminantemente assim. Essa última semana... É uma coisa trágica. Minha geração perde mais um excepcional homem público, um insubstituível romancista, poeta, dramaturgo, conferencista, um amigo querido, insubstituível mesmo. Ele tinha um lugar muito especial dentro do panorama cultural brasileira."
FERNANDA MONTENEGRO, atriz, à Folha

"Foi com profundo pesar que recebi a notícia da morte do escritor Ariano Suassuna. Paraibano de nascimento, pernambucano de coração, já que morou no Recife por mais de 70 anos de sua vida. É um dia muito triste para todos nós, pernambucanos, nordestinos e brasileiros, uma perda inestimável para nossa literatura e nossa cultura, que nesta mesma semana já havia sofrido as ausências de João Ubaldo Ribeiro e Rubem Alves, e ainda neste mês a perda de Ivan Junqueira. (...) O bom humor sempre foi sua marca, somada a profundos conhecimentos do imaginário popular e uma inteligência muito acima da média. A obra de Ariano permanecerá eterna na mente de todos nós que convivemos com ele, mas tenho certeza de que também será lembrada e venerada pelos mais jovens e pelas futuras gerações."
JOÃO LYRA NETO, governador de Pernambuco, em nota

"Era uma figura única no regionalismo, muito coerente e muito fiel à sua própria escrita. Era completamente desinteressado de moda e modismos. Acho admirável essa consistência de pensamento que se reafirmou nas situações mais diversas quando a tendência das pessoas é entrar em um discurso mais globalizado, mais anódinos e menos marcado por esse caráter. Sempre admirei e respeitei essa sua característica."
ALCIR PÉCORA, professor e crítico literário, à Folha

"É um dos dramaturgos mais representativos de um Brasil nordestino pouco mostrado no nosso teatro, mas que foi retratado brilhantemente por ele em todas as suas peças. Ele conseguiu pegar o Nordeste e criar um mundo que é interessante para o mundo inteiro."
CLAUDIO BOTELHO, diretor de teatro, à Folha

"A morte de Ariano Suassuna confrange e entristece a Academia Brasileira de Letras. No espaço de um mês, é o terceiro grande acadêmico que parte. Estendemos à família de Ariano nossos profundos sentimentos de pesar. E à multidão de seus amigos, leitores e admiradores no Brasil e no mundo, nossa solidariedade pela imensa perda. Ariano reunia em sua pessoa as extraordinárias qualidades de homem de letras e de intelectual no melhor sentido da palavra, alguém que, dispondo de uma cultura invulgar, era, ao mesmo tempo, um homem de ação. À sua maneira ocupava-se e preocupava-se com os problemas sociais, focado nos da sua região. Não podemos esquecer seu engajamento com o Movimento Armorial, através do qual buscava revigorar a identidade nordestina, especificamente a pernambucana e suas peregrinações levando, com humor, sua mensagem por todo o Brasil."
GERALDO HOLANDA CAVALCANTI, presidente da Academia Brasileira de Letras, em nota

"Ele foi maravilhoso. 'O Auto da Compadecida' é uma obra que se compara a toda a dramaturgia universal mais maravilhosa, seja de teatro nô, ocidental, qualquer tipo de teatro. É uma peça mesmo, uma joia. Mais que um bem público, é um bem do inconsciente do público porque o Ariano Suassuna, quando veio da aristocracia rural para a cidade, trouxe à tona para o mundo todo aquela coisa do sertão que se apresentava na frente da casa grande. A cultura da aristocracia pernambucana sempre foi muito refinada e o Ariano é a expressão máxima, como Gilberto Freyre, com 'Casa Grande e Senzala'. Ele trouxe essa cultura popular para a obra dele e a levou para cidades do Brasil inteiro. Suas peças vão sendo 'antropofajadas' e vão dar muito o que falar. Haverá muitas encenações de Suassuna, mas permanecerá a coisa mais poderosa da obra dele que é sua arte, a arte de um grande artista. Ele está retornando porque tudo está no nosso DNA. E não adianta querer fazer um cérebro eletrônico igual porque não vai conseguir."
ZÉ CELSO MARTINEZ, diretor teatral, à Folha

"'O Romance d'A Pedra do Reino' é um marco como 'Dom Quixote'. Ele junta o humor, o popular, o culto e traz tudo numa grande história, que é também uma historia da brasilidade. Ariano é iluminado quando escreve 'A Pedra' (...), porque é um romance que reúne todas as formas. Tem poesia, popular, narrativa, uma mitologia. É um romance que tem personagens de toda natureza. 'O Auto da Compadecida' é uma das peças brasileiras mais montadas do mundo. Tem versões na Alemanha, em países da América. E quando foi mostrada nos anos 1960 mais ou menos abriu a cabeça não só dos autores —porque mostrou a eles como era uma dramaturgia aberta, eu diria shakespeariana, em que as coisas aconteciam no plano da imaginação, brincando com a ilusão. A gente estava num teatro burguês, fechado, naturalista, de cópia muito estreita da realidade, e Ariano abre as portas, janelas, telhados. Foi importante para os diretores. Há saltos no teatro brasileiros. Um deles é Nelson Rodrigues e o outro foi o teatro de Ariano. (...) Há pessoas que conseguem fazer síntese dessa junção entre popular e erudito. Ele está em Pernambuco no centro de uma arte popular, no meio dos gravuristas, dos cordelistas, e ele, com uma formação erudita. Muitos passam por ali e não fazem a síntese que ele fez. Sem dúvida, ele é importante para todos nós."
ADERBAL FREIRE FILHO, diretor teatral, à Folha

"Chico [Science] e eu sempre tivemos conflitos de opinião com Ariano, que várias vezes se mostrou contra o viés pop do Manguebeat. Nos últimos anos, principalmente após a morte de Chico, os ânimos esfriaram e eu e ele desenvolvemos uma relação civilizada, sem os protestos inflamados de outrora. O movimento armorial era uma escola hegemônica em Pernambuco, e nós jovens ficávamos incomodados com isso. Hoje vejo que, embora aparentemente antagônicas, esses movimentos tinham em comum o mesmo propósito de desenvolver o orgulho de ser nordestino, do simplório, do rústico. Ariano era um exemplo de cordialidade e civilidade num meio tão arrogante quanto o da política cultural pernambucana."
FRED 04, líder da banda Mundo Livre S/A que, ao lado do músico Chico Science [1966-1997], fundou o movimento Manguebeat, à Folha

"Para todos nós que trabalhamos com arte em Pernambuco, ele foi o nome mais forte. Foi a pessoa mais importante na discussão sobre o fazer arte no Nordeste. Ele foi além do trabalho de escritor e poeta. Levantou uma defesa da nossa cultura e fez disso a sua vida. Sempre aceso, ele doou a sua existência a esse movimento de provocações."
LIRINHA, músico, ex-líder da banda Cordel do Fogo Encantado, à Folha

"É um dos maiores autores nacionais e seu trabalho significa um teatro fora desse eixo urbano e litorâneo. É uma pessoa com uma história significativa. Sem dúvida, um dos maiores homens do teatro brasileiro."
EDUARDO TOLENTINO DE ARAÚJO, diretor artístico do grupo Tapa, à Folha

"Ariano soube ultrapassar as barreiras do pensamento do homem branco protestante do hemisfério norte e foi buscar na Península Ibérica as fontes para desenvolver toda sua obra. Ele recupera uma ancestralidade para a cultura nordestina, uma permanência e com isso vai buscar lá atrás caminhos para ir em frente. (...) Ariano botou uma realidade brasileira no teatro e no pensamento cultural do país e isso não volta atrás. É um pedaço grande da nossa herança cultural e formação étnica que é tão arraigado que aparece em todas as coisas. Ele não é só um homem de teatro; é um pensador da vida pública brasileira e da vida cultural. Trouxe uma novidade para o Brasil que até hoje não foi ultrapassada."
AMIR HADDAD, ator e diretor teatral, à Folha

"O Brasil perdeu o maior defensor de sua cultura popular. Mais que um criador de um movimento cultural, que batizou de Armorial, Ariano foi a própria síntese do que a gente chama de Cultura Brasileira, em suas mais diversas expressões: a música, o teatro, a literatura, as artes visuais, o cinema, o artesanato e arquitetura. O seu comprometimento com a cultura genuinamente brasileira marcou sua obra e suas aulas em defesa de uma produção rica em símbolos e conceitos criados a partir das matrizes de formação do povo brasileiro. Ariano fez sua última aula-espetáculo no Festival de Inverno de Garanhuns, na última sexta-feira (18). O mestre recordou o início de sua carreira como professor e o motivo pelo qual, mais recentemente, criou o modelo das aulas-espetáculos, dando continuidade à sua missão de transmitir conhecimentos e defender a produção artística nacional. Incansável nessa missão de produzir novas obras, ensinar e preservar, Ariano deixa uma marca profunda e permanente na cultura do Brasil. Traduzido em vários países, também deixa seu legado para além de nossas fronteiras. A obra de Ariano deve agora ser preservada por todos e difundida para que, como fez com suas aulas, seja aprendida e discutida, sirva sempre de inspiração e desafio para as novas gerações."
MARCELO CANUTO, secretário de Cultura de Pernambuco, em nota

"É um valor inestimável que se perde tanto no teatro como na literatura e especialmente como ser humano. Era uma pessoa de uma inteligência, uma sensibilidade e um comprometimento excepcionais. Não trabalhei com a obra dele, mas é como se fosse. Ele estava voltando com muita energia à atividade teatral e literária, então é um choque."
JORGE TAKLA, diretor de teatro, à Folha

"Ele era um tesouro, sempre muito presente no dia a dia da vida cultural do Recife. Era comum encontrá-lo na plateia. Eu tinha uma banda chamada Comadre Fulozinha e ele ia sempre nos nossos shows, dizia que adorava, até que de repente desapareceu. Aí alguém me contou que ele disse que não gostava mais, que a banda tinha ficado muito pop. [risos] Ele era assim. Até quando não se concorda com ele, é precioso. Quem viu uma aula-espetáculo dele não esquece nunca mais e vai rir para o resto da vida. Era uma aula não só muito engraçada, mas muito poderosa."
KARINA BUHR, cantora, à Folha

"Todo o Brasil lamenta a morte do escritor, dramaturgo e poeta, Ariano Suassuna. Um intelectual que fez uma reflexão profunda sobre as raízes do Brasil e, sobretudo, do nordeste brasileiro. Meus sentimentos a seus familiares e ao povo pernambucano", escreveu o tucano em suas redes sociais."
AÉCIO NEVES, presidenciável do PSDB, em suas redes sociais

"Ele teve uma grande felicidade: foi um dos que mais compreenderam o Brasil. Mas o Brasil foi quem mais o compreendeu. Esse equilíbrio é muito raro. Acontecia mais no século 19 —uma certa parte do 20. É uma ressonância entre uma parte do Brasil e a obra de Ariano. (...) Graças a Suassuna, havia toda uma vontade de abertura de diálogo entre dois mundos —o erudito e o popular— que, para boa parte do Brasil, ainda parece incomunicável: esse projeto armorial é que lhe dá o sucesso de comunicação, num tom genialmente médio para tratar das questões mais amplas. Ele tem a característica mais forte que mostra uma tradição da obra de Gilberto Freyre, Câmara Cascudo. Essa grande contribuição que o Nordeste do país nos oferece para pensar o Brasil cheio de raízes. Ele compreendeu o Brasil e teve a felicidade de ser compreendido pelo Brasil. Isso me parece essencial para compreender sua obra."
MARCO LUCCHESI, poeta, escritor, tradutor e imortal da ABL, à Folha

"Ariano Suassuna era um tradicionalista, reacionário no sentido estritamente etimológico da palavra (ou seja, propugnava mesmo que a saída era que se girasse para trás a roda da História) e combateu durante anos o mangue beat. Os amigos pernambucanos da minha geração se lembram: ele se recusava a dizer 'Chico Science'. Pra ele era 'Chico Ciência'. E acusava o mangue beat de desnacionalizar a música nordestina e tudo o mais. Até que naquele fatídico 2 de fevereiro de 1997, Chico bateu o carro da irmã no caminho que ele fazia tantas vezes, entre o Recife e Olinda. Foi o domingo em que todas as nações do maracatu desfilaram em silêncio. E lá estava Ariano, carregando o caixão de Chico Science, chorando copiosamente, desesperado. Essa imagem, de Ariano Suassuna chorando enlouquecido enquanto carregava o caixão do 'Chico Ciência' que ele tanto havia combatido, é para mim uma das mais fortes da cultura brasileira. E é a imagem de Ariano que fica pra mim."
IDELBER AVELAR, crítico literário e professor de literatura na Universidade Tulane (EUA), no Facebook

"Ele tem um papel inegável no teatro brasileiro. É indiscutível a importância dele no período em que houve uma onda nacionalista muito forte no final dos 1950 e início dos 1960. Ele foi aceito nacional e internacionalmente por essa nova corrente do teatro que entrava em choque com outra corrente, a do cotidiano politizado —que o Teatro de Arena seria um bom exemplo. A corrente de Ariano se chamou na época de nacional popular. (...) O principal elemento que ele traz são as figuras populares nordestinas. Por outro lado, ele trabalha com uma tradição nordestina que não tinha chegado direito até o teatro de palco, que é o mamulengo. Nessa "Seleta" [coletânea publicada em 1975 pela editora José Olympio com textos de Ariano], eu pude mostrar como "O Auto da Compadecida" era uma combinação de quatro pecinhas para mamulengo que ele tinha escrito. Essa foi a principal contribuição dele."
SILVIANO SANTIAGO, escritor e poeta, à Folha

"Nasci na mesma rua de Ariano, no bairro de Casa Forte, e fui seu vizinho desde a minha infância. Sempre tivemos uma relação de admiração mútua, até porque meu campo de atuação é o mesmo que o dele, o da defesa da língua portuguesa. Quando adaptei para o teatro sua novela 'Fernando e Isaura', Ariano foi de uma delicadeza difícil de encontrar. Fez suas considerações, mudou poucos trechos e me deu toda a liberdade na montagem do espetáculo. Para mim, ele conseguiu 'enganar a onça', que em seu vocabulário é o mesmo que enganar a morte. Ariano não morreu, ele criou um teatro popular dentro das raízes populares do Nordeste que é eterno."
CARLOS CARVALHO, dramaturgo, mamulengueiro e gerente do Centro de Formação e Pesquisa das Artes Cênicas dos Teatros Apolo e Hermilo Borba Filho (PE), à Folha

"Dolorosa notícia a morte de Ariano Suassuna, que considero ao lado de Nelson Rodrigues, dramaturgo maior do Teatro Brasileiro. Não fosse suficiente também considerá-lo um dos nossos grandes romancistas, depois de Guimarães Rosa, com a obra 'A Pedra do Reino'. Dolorosa notícia!"
ANTUNES FILHO, diretor teatral, em nota

"Eu conheci Ariano desde menino e o encontrei várias vezes ao longo de todo esse tempo. Admiro-o duplamente, pelo grande artista que ele é e pela forma como levou sua vida sempre, coerente com sua forma de pensar, com suas convicções. Ele viveu sua obra e sua obra é a transfiguração de sua vida. Ariano é um erudito que pensou e recriou a arte popular brasileira. Um autor universal mas que sempre viveu simplesmente, perto de suas raízes e perto do povo, conversando com ele. Ariano foi um humanista brasileiro. Além de um grande escritor, foi também o pensador de uma arte nacional, e um pensador do nosso país como um todo. A literatura foi o seu ponto de partida, mas isso se expandia por outras áreas. A gente fica muito mais pobre. Quem tem essa cabeça e esse conhecimento pra pensar com tanta amplidão o Brasil? Minha admiração é tanto pela vida quanto pela obra dele."
GUEL ARRAES, cineasta e diretor de TV, responsável pela minissérie e pelo filme 'O Auto da Compadecida', em nota

"É imensa a tristeza de receber a notícia de que um amigo tão querido como Ariano Suassuna nos deixou. Este paraibano de língua afiada, alma solidária, de escrita ao mesmo tempo simples e profunda, sempre nos honrou com sua amizade. Ariano fez muito pelo povo brasileiro através de suas palavras, sabedoria popular e compromisso político. Um escritor premiado e reconhecido, que nunca se esqueceu que era um homem do povo. Cresceu no sertão do nordeste e traduziu tantas vezes em seus textos as alegrias e os sofrimentos dos brasileiros. Ariano representou com coerência e grandeza a cultura do nordeste e do país. Com enorme tristeza, me solidarizo com seus familiares, amigos e admiradores. Como escritor e como militante das causas populares, Suassuna continuará vivo em nossos corações."
LULA e MARISA LETÍCIA, respectivamente ex-presidente e ex-primeira-dama do Brasil, em nota

"Uma vez, ele, que foi sempre ultranacionalista, fez um comentário dizendo que não concordava com Chico se denominar Science porque era uma palavra inglesa, que deveria ser 'Chico Ciência'. Ele também não gostava de guitarra, dizia que era um instrumento americano. Enfim, tudo fazia parte do ideal dele, do armorial, da busca pela pureza de uma coisa sem influência de nenhuma outra cultura. E isso, de uma forma muito ampla, também foi uma influência para a gente, esse comportamento de ter orgulho de ser pernambucano. A gente sempre teve muito respeito e muita influência das obras dele. Nunca tivemos nenhum tipo de atrito. Era um artista nato e completo. Fará uma grande falta."
LÚCIO MAIA, guitarrista da banda Nação Zumbi, que, com Chico Science (1966-1997), criou o movimento Manguebeat, à Folha

"A primeira coisa a dizer é o espanto que causa sempre um homem de tal generosidade e exuberância de vida morrer, ceifando a expectativa de todos quantos os admirávamos, pois parecia eterno, uma vez que apontava para um alto ideal humano sem tempo, com graça e poesia. Depois é a lição fundamental de sua carreira de escritor, ter apostado no que viu de mais importante: a força da cultura popular, no caso da cultura nordestina que conheceu a fundo e soube incorporar com arte em seu teatro e suas narrativas, dando-lhe dimensão universal, com força de símbolo. 'A Pedra do Reino', espécie de epopeia cômica popular, à maneira do modelo célebre de Cervantes, revela, em sua forma misturada, que mescla diversos gêneros, uma visão ao mesmo tempo realista e fantástica do sertão brasileiro, mas também de nossa mais funda e trágica humanidade. Por fim, dói termos perdido um mestre caloroso, que encantava todos com sua figura insólita, seu vozeirão grave e o desconcerto de suas tiradas vivíssimas —imagens que de hoje em diante nos toca apenas guardar na memória, com afeto e saudade. Será essa a única forma de colaborarmos com sua imortalidade."
DAVI ARRIGUCCI JR., crítico e professor de teoria literária da USP, à Folha

"Fui assistir a uma peça do Molière dirigida pelo Guel Arraes e quando fui ao camarim ele me disse que ia adaptar 'O Auto da Compadecida' para a televisão, e que achava que eu devia ser o João Grilo. Eu disse que sim na hora. Tinha lido como estudante de teatro e me apaixonado. O que mais me chama a atenção é que dentro dessa complexidade que é ser brasileiro, alguns poetas conseguem nos dar muito inspiradamente uma versão do que poderia ser a brasilidade. Suassuna é um deles. Alguns poetas conseguem a universalidade e espantosamente uma brasilidade terrível. Eu me senti muito honrado e assustado em ser o João Grilo. É um personagem de dimensões arquetípicas, fundado na antiguidade. Os antepassados do João Grilo são o Arlequim, os criados de Molière. É um personagem com uma genealogia antiga. Eu me assustei. Foram momentos maravilhosos. Eu me entreguei ao personagem. Ele só precisava de um cavalo que o recebesse, ele é muito perfeito. É só deixar ele caminhar dentro de você que ele vai te levando. De maneira impressionante isso aconteceu com todos os atores. Todos foram possuídos pelos personagens de Suassuna. Guel fez um trabalho lindo. Deu a oportunidade a todos os brasileiros de poderem ver uma linda versão do 'Auto da Compadecida'. Eu tinha muito medo de que o Ariano não gostasse do resultado do trabalho, de que a gente pudesse ter ofendido ele em algum momento. Mas ele ficou muito feliz com o trabalho. Eu o conheci logo do 'Auto da Compadecida' e a gente criou um vínculo amoroso. Ele era um homem lindo. Me contou histórias maravilhosas e no final me entregou um CD com poesias dele, lidas por ele mesmo, com uma cartinha. Essa carta que eu escrevi ontem foi uma resposta. Fico muito feliz em ter sido o ator que tornou o João Grilo tão eterno no coração das pessoas. Eu sou só um dos João Grilo do Brasil e do mundo. Não há no Brasil num rincão sequer um grupo de teatro que não tenha montado o 'Auto'. Estou muito emocionado. Fui muito feliz em conhecê-lo. Torço para que ele esteja no melhor dos céus. No último dia de filmagem, todo mundo estava aplaudindo, se abraçando, chorando. Chegou a hora de ir pro camarim tirar a roupa, a maquiagem, meu dentinho torto, tirar o João Grilo. Fiquei dentro do cenário, na cozinha da mulher do padeiro, num cantinho, adiando, adiando. Ali eu chorei. Pensei que nunca mais ia ser o Grilo. Não sabia que o Grilo ia ser eterno. Todo mundo que sorri pra mim sorri para ele."
MATHEUS NACHTERGAELE, ator, à Folha


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