Folha de S. Paulo


'Bob Wilson me colocou numa zona de desconforto', diz Mikhail Baryshnikov

O diretor de teatro Bob Wilson coloca o movimento na frente do texto, mas "trabalhar com ele foi uma das coisas mais difíceis que já fiz", diz o bailarino russo Mikhail Baryshnikov, 66.

"Ele exige que o ator descubra as profundezas de sua alma, mas que demonstre muito pouco disso em cena. Não é para chorar - isso é para funerais, não para o teatro", disse Baryshnikov à Folha.

O bailarino e o ator americano Willen Dafoe, 59, deram na terça-feira (22) uma entrevista á imprensa para falar da peça "The Old Woman" (A Velha), dirigida por Wilson, que estreia na quinta-feira (24) no teatro do Sesc Pinheiros, em São Paulo.

Fabio Braga/Folhapress
Mikhail Baryshnikov (à direita) e Williem Dafoe durante entrevista no Sesc Pinheiros, em São Paulo
Mikhail Baryshnikov (à direita) e Williem Dafoe durante entrevista no Sesc Pinheiros, em São Paulo

Baryshnikov já trabalhou com todo tipo de corégrafo e com diferentes diretores de cinema, teatro e TV e disse que em seus mais de 50 anos de palco já sabe mais o menos o que fazer.

Essa bagagem que começou a acumular aos nove anos de idade, quando subiu ao palco para dançar pela primeira vez, foi aproveitada de forma diferente pelo diretor americano, que levou o bailarino a fazer coisas que nunca tinha imaginado fazer.

"Ele me colocou em uma zona de desconforto", diz.

"Quando as pessoas assistem a apresentação, isso não fica evidente. Mas coisas como cantar por 30 segundos, como tenho de fazer, já é aterrorizante", diz.

Ele conta que o diretor consegue extrair coisas muito profundas de seus atores. "Com gentileza, ele faz com que o ator engula um anzol, e pesca o peixe grande que está dentro da pessoa", compara o bailarino.

Para Dafoe, uma das coisas mais bonitas que o Wilson faz é permitir que o ator se transforme em algo como um objeto. "Gosto da artificialidade do teatro. Sou moldado pelo teatro físico, pelos movimentos formais", diz Dafoe.

Entre as influências do diretor estão o kabuki (teatro japonês), o expressionismo alemão e a arte do Cambodja, cita o ator. Mas, acrescenta o bailarino, "Ele não imita nada disso. Ele põe o ator em uma moldura para que, ao mesmo tempo, seja um instrumento do diretor e se expresse em sua capacidade total."

Baryshnikov conta que, na direção de "The Old Woman", Wilson colocou alguns movimentos que são característicos de seu trabalho (movimentos em câmara lenta ou em perfil), mas também deu carta branca para que os dois protagonistas improvisassem em certos momentos, como as mudanças de cenário.

"E muita gente não acredita, mas Bob também dança. Para a peça, ele dançou uma pequena coreografia, filmou e me entregou uma cópia. Disse: 'vá para sua sala de trabalho e traduza isso para seu corpo'."

Mas não houve preparação corporal para os atores de "The Old Woman".

"Bob nos colocava no palco, dava algumas instruções formais - 'leiam tantas vezes, repitam essa cena'-e era isso", conta Dafoe.

Para Baryshnikov, o diretor "não faz o ator pensar em coreografias, mas em soluções".

Movimentos abruptos fazem parte da "assinatura coreográfica" de Wilson.

"Quanto mais esquisito o movimento, melhor para ele", diz Baryshnbikov, que vê a influência dos coreógrafos americanos Merce Cunningham (1919-2009 ) e Martha Graham (1894-1991) no trabalho do diretor.

Outra influência, bastante lembrada em "The Old Woman", é ator Buster Keaton (1895-1966), famoso por suas comédias de cinema mudo.

"O lado trágico e a sutileza de Buster Keaton estão muito próximos do trabalho de Bob. Keaton pode falar de coisas trágicas sendo cômico. Tudo é feito por trás de uma máscara. E dançar e atuar são espécies de máscaras", diz o bailarino.


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