Folha de S. Paulo


Teatro abre seus bastidores ao público

Artistas têm recorrido com frequência a uma ferramenta usada em pesquisas teatrais: mostrar ao espectador um "making of" do processo de criação do espetáculo.

O objetivo é criar aproximação maior com o público. Antes da estreia da peça, autores, diretores e atores oferecem ensaios abertos e discussões sobre a obra em gestação. E, depois da temporada, programam debates, bate-papos e oficinas para explicar o processo de criação e as referências do trabalho.

Paulo Faria, diretor da companhia Pessoal do Faroeste, diz que o teatro se "fechou" ao público a partir dos anos 1980, com a popularização da TV. "Ao mostrar o processo, a gente se reaproxima de uma experiência diferente, que é a do teatro das décadas de 1950, 1960 e 1970."

Divulgação
Ismar Rachmann (à esq.) e Anderson Negreiro na peça 'Frida Kahlo - Calor e Frio
Ismar Rachmann (à esq.) e Anderson Negreiro na peça 'Frida Kahlo - Calor e Frio'

"Naquela época, a plateia era muito próxima do fazer teatral, conhecia os autores e as ideias dos grupos", afirma.

O Pessoal do Faroeste realizou no último mês ciclo de palestras e bate-papos sobre a peça "Luz Negra", com estreia prevista para novembro.

Por pesquisar o centro de São Paulo, onde está localizada sua sede, a companhia recebe muitos moradores da região. Boa parte, diz Faria, não tem relação com artes cênicas, mas está presente não só nos espetáculos, mas em atividades preparatórias que envolvem essa interação entre grupo e público.

A contadora Safira Suzzi, 51, conheceu o Pessoal do Faroeste no ano passado, quando fazia compras no Bom Retiro e viu uma performance do grupo. Depois, participou de uma oficina da trupe na qual o público escrevia cartas.

Seu texto foi selecionado entre alguns dos que integraram a peça "Luz e Sombra".Desde então, ela participa de eventos do grupo. E diz que se interessou mais pelo teatro.

Viviane Dias, atriz e dramaturga da companhia Estelar de Teatro, que realizou em julho debates e ensaios abertos da peça "Frida Kahlo - Calor e Frio", disse que se surpreendeu ao ver como pessoas não ligadas ao meio se interessavam pelos bastidores.

O espetáculo, uma biografia da artista plástica mexicana contada a partir de suas obras, tem estreia marcada para 9 de agosto, no Viga Espaço Cênico, em São Paulo.

ENCANTAMENTO

Segundo Marcio Abreu, diretor da curitibana Companhia Brasileira de Teatro, há certo "encantamento" com o fazer artístico. "Isso desmistifica o trabalho", diz.

O grupo mostrou neste mês seu processo criativo e apresentou o exercício cênico "Descartes com Lentes", seguido de debate com o público, no projeto É Logo Ali, um casarão ocupado pelo Sesc Ipiranga (leia ao lado).

Lenise Pinheiro/Folhapress
Nadja Naira, o diretor Marcio Abreu (com o espelho) e plateia em debate sobre 'Descartes com Lentes
Nadja Naira, o diretor Marcio Abreu (com o espelho) e plateia em debate sobre 'Descartes com Lentes'

Abreu conta que o que o atrai nesse tipo de evento é perceber a forma como o trabalho toca os espectadores. Os participantes, segundo ele, têm perfis variados.

"Uma vez recebemos uma empresária que se interessou pelo tema [da peça "O Que Eu Gostaria de Dizer"] com leitura diferente da nossa, fazendo relações entre o espetáculo e questões corporativas."

Também no espaço do Sesc, o diretor Felipe Hirsch fará ensaio aberto de "Puzzle D", peça com estreia prevista para este ano. Ele diz que cada vez mais se vale desse método de abrir o processo de construção do espetáculo ao público e que o fez até para a minissérie "A Menina sem Qualidades" (2013), que foi exibida pela MTV. "É uma maturidade revelar o processo."


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