Folha de S. Paulo


Artista perseguido contesta rumos da revolução no Egito

Em janeiro de 2011, quando os cairotas foram à praça Tahrir para derrubar Hosni Mubarak, que governava o país havia anos, houve uma explosão de murais e grafites nas ruas.

Um jovem designer gráfico que usa o pseudônimo Ganzeer ("corrente de bicicleta") em seus trabalhos distribuiu questionários, adesivos e pôsteres. E pintou um mural de um tanque abatendo um ciclista. Disse que era sua "campanha de mídia alternativa" para contrabalançar a propaganda política feita pelos veículos noticiosos oficiais.

Nos últimos três anos, Ganzeer, 32 anos, emergiu como astro do movimento anárquico, encontrando novos alvos quando a liderança egípcia trocou de mãos. Mas no último dia 9 de maio ele foi denunciado por um apresentador da televisão aberta do país.

Osama Kamal identificou Ganzeer por seu nome verdadeiro, Mohamed Fahmy, e sua foto e o descreveu como "recruta da Irmandade Muçulmana", exigindo que o governo tomasse medidas contra ele. A acusação de ser recruta da Irmandade Muçulmana vem sendo usada com frequência contra jornalistas e ativistas no Egito, levando a prisões.

Dois dias depois, Ganzeer deixou o país para fazer uma viagem aos EUA que já era planejada havia muito tempo.

"É típico do governo egípcio lançar uma campanha na mídia. Assim, quando chega a hora da repressão, a ação tem o apoio das massas, porque estas já leram a acusação nos jornais", disse Ganzeer em entrevista recente em seu alojamento provisório no Brooklyn.

Desde o Cairo até Beirute e Dubai, artistas árabes estão lançando uma resposta criativa dinâmica à turbulência política dos últimos anos, explorando uma gama de estratégias para a criação de arte, incluindo o ativismo de arte de rua de Ganzeer e outros, que se inspiram nos hieróglifos antigos e aprendem a trabalhar com estênceis para divulgar suas causas nos muros.

Carlo McCormick, autor de "Trespass: História da Arte Urbana Não Encomendada", situa Ganzeer na tradição de artistas de rua como Shepard Fairy e Banksy. "Mas Ganzeer trabalha mais como ativista que como muralista", observou. "Ele é camaleônico, adaptando seus visuais ao conteúdo."

Ganzeer é citado em "Art War", do cineasta alemão Marco Wilms, e destacado em um livro recém-lançado, "Walls of Freedom: Street Art of the Egyptian Revolution" (muros da liberdade: arte de rua da revolução egípcia), de Basma Handy e Don Karl, ou Stone.

Em Nova York, porém, ele está sobrevivendo com a produção de gravuras que vende por modestos US$500 a US$1.000 (R$ 1.100 a R$ 2.200), por meio da Aliança de Artistas do Brooklyn.

Ganzeer disse que deu a si próprio o nome de "corrente de bicicleta" porque gosta de pensar nos artistas como o mecanismo que impele transformações.

"Não somos a força motriz", comentou, "mas podemos conectar as ideias, e ao fazê-lo ajudamos as coisas a avançar."

Ele pode ter sido denunciado pelas autoridades egípcias devido a um mural gigantesco que mostra um soldado zumbi em pé sobre uma pilha de crânios. Ou, como ele desconfia que seja o caso, pode ter sido uma reação a uma entrevista dada ao jornal inglês "The Guardian" no último dia 8 de maio, em que ele pediu a condenação internacional do então prestes a tornar-se presidente do país, Abdel Fattah al-Sisi.

"Todos os artistas que aparecem em meu filme foram atacados", disse Wilms.

"Estes jovens estão dispostos a sacrificar suas vidas. Estão realmente morrendo nas ruas."

Nascido em Giza, Egito, em 1982, Ganzeer fez faculdade de administração depois de não conseguir ingressar numa escola de arte. "Cresci lendo HQs e me via como alguém que um dia criaria HQs", ele disse, tendo descoberto o design gráfico apenas bem mais tarde, quando já cursava a faculdade. Ganzeer comandou sua própria firma de design gráfico por oito anos.

Como artista ativista, inicialmente ele criou objetos fáceis de distribuir nas ruas e no metrô. Em março de 2011 empreendeu um projeto de mural contendo o retrato de um jovem de 16 anos morto por disparos policiais.

O retrato foi colocado num muro perto da Suprema Corte, no Cairo, numa altura de quatro metros acima do chão.

Mas Ganzeer conseguiu escapar da atenção da polícia até maio de 2011, quando distribuiu adesivos de sua Máscara da Liberdade, hoje conhecida globalmente. Postada na internet, é a imagem de um rosto em estilo de super-herói, vendado e amordaçado, como símbolo da repressão militar.

Ganzeer se nega a descrever-se como artista de rua. Ele já fez programas de residência artística na Finlândia, Polônia e Suíça e expôs no cenário vibrante das galerias do Cairo. Em 2012, sua mostra solo na galeria Safar Khan focou o envolvimento de militares em denúncias de estupros e assédio sexual.

Ele afirma categoricamente que não vai se exilar nem pedir asilo político nos Estados Unidos. "Nós nos livramos de Mubarak. Não vou desistir de nos livrarmos deste cara", ele disse, falando do presidente al-Sisi.


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