Com o bom humor e o vozeirão de sempre, João Ubaldo Ribeiro conversou com a Folha pela última vez na semana passada, na noite do dia 10.
De pronto, foi logo reclamando da derrota do Brasil para a Alemanha por 7x1, ocorrida dois dias antes.
"Que vexame! Tomamos uma coça braba deles." Soltou em seguida uma de suas risadas estrondosas e inesquecíveis.
A musicalidade barroca da voz de Ubaldo era tão saborosa quanto seus textos, mesmo em uma ligação às 22h, quando o escritor já se preparava para dormir.
Na ocasião, a Folha convidou Ubaldo a participar de uma enquete: qual era o clássico mais difícil, complexo, que já havia lido ou tentado ler?
Ele citou "Eneida", de Virgílio.
"Tentei ler a 'Eneida' umas 15 vezes durante a juventude. A gente era obrigado nas merdas das aulas de latim. Até hoje não consegui terminar. Me sentia até culpado", contou.
"Mas vários livros são difíceis. 'Os Lusíadas', 'A Divina Comédia' são fodas. Não é moleza não, são difíceis, penosos."
Ubaldo comentou que a ideia corrente de que os "clássicos são chatos" resulta, em parte, das deficiências das escolas. "Os professores da minha época também odiavam os clássicos", contou, antes de disparar outro riso poderoso.
"Acho que o estudo dos livros canônicos deveria ser precedido por uma abordagem menos reverente e mais irreverente, sem medo. Mas o leitor não pode ter preguiça, tem que encarar de frente mesmo."
Pouco depois, encerrou a conversa com um "boa noite", a um só tempo forte e terno.
João Ubaldo Ribeiro era colunista do "Globo" e do "Estado de S. Paulo". Na quarta (dia 16), enviou sua última crônica aos jornais, "O Correto Uso do Papel Higiênico".
No texto, Ubaldo critica, em tom mordaz, a interferência do Estado na vida privada do cidadão.
"Por enquanto, não baixaram normas para os relacionamentos sexuais, mas é prudente verificar se o que vocês andam aprontando está correto e não resultará na cassação de seus direitos de cama", conclui o texto.