Folha de S. Paulo


Chamar clássico de chato é pura chatice, diz Milton Hatoum

Que atire o primeiro livro aquele que nunca detestou algum clássico.

Vários critérios fazem com que uma obra seja mais ou menos apreciada: preferências pessoais, o momento em que se lê, a sensibilidade para determinados temas e estilos.

A parte isso, a ideia de dividir os clássicos entre "tediosos" e "divertidos", como propõe Sandra Newman em "História da Literatura Ocidental sem as Partes Chatas", é puro estereótipo, dizem escritores e professores.

"Esse tipo de classificação envolve ignorância histórica, banalização das obras, com objetivos puramente mercadológicos", conta Maria Augusta da Costa Vieira, professora de literatura espanhola da USP e coordenadora do curso "Por que Ler os Clássicos?".

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História Da Literatura Ocidental Sem As Partes Chatas
Sandra Newman
História Da Literatura Ocidental Sem As Partes Chatas
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Para o romancista Milton Hatoum ("Dois Irmãos"), a ideia corrente de que clássicos são chatos é "apenas mais um mito negativo".

"E, cá pra nós, esse tipo de classificação em importância e diversão [do livro de Newman] é de uma superficialidade lamentável. Isto sim, é uma tremenda chatice."

Já Luís Augusto Fischer, professor de literatura na UFRGS, avalia que guias como o de Newman são úteis para difundir a cultura.

"Muitos clássicos são entediantes ou mesmo incompreensíveis para o leitor comum. O prazer que se extrai da leitura de textos assim tem a ver com cultivo, com conhecimento das referências."

"Nesses casos, claramente cabem as adaptações, com linguagem simplificada, para os leitores jovens ou de escassas letras", completa. (MARCO RODRIGO ALMEIDA)

HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL SEM AS PARTES CHATAS
AUTORA Sandra Newman
EDITORA Cultrix
TRADUÇÃO Ana e Marcelo Cipolla
QUANTO R$ 58 (400 págs.)

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DUROS DE LER
Leitores ilustres elegem os clássicos mais difíceis de encarar

Spinoza
"Todos os livros do Spinoza que eu tentei ler ficaram pelo caminho. Você acha que entendeu uma frase e esquece na sequência"
FERNANDA TORRES, atriz, escritora e colunista da Folha

"Em Busca do Tempo Perdido", de Marcel Proust
"Entrei e não consegui mais achar a saída. Estou preso no labirinto de Proust, em busca do fim do livro. Mas a obra é genial. A culpa é minha, como diria o Felipão"
TONY BELLOTTO, guitarrista dos Titãs e escritor

"Ada ou Ardor", de Vladimir Nabokov
"Me sinto mal disposto para ler autores de viés enciclopédico ou que falam de um ponto de vista acima de seus personagens"
ALCIR PÉCORA, professor de teoria literária da Unicamp

"Canaã", de Graça Aranha, e "Finnegans Wake", de James Joyce
"Em meus 54 anos de vida, só estes dois foram realmente maçantes"
RODRIGO GURGEL, crítico literário

"A Montanha Mágica", de Thomas Mann
"Tem uma lentidão exasperante em uma dimensão que hoje faz pouco sentido no romance. E mesmo a tuberculose, que ocupa um centro inequívoco do romance, hoje é coisa trivial"
LUIS AUGUSTO FISCHER, professor de literatura na UFRGS

"Retrato de um Artista Quando Jovem", de James Joyce
"Ter lido aos 16 anos não foi muito refrescante para quem sonhava em ser artista, sem saber o que isso queria dizer. Fiquei mais perdido que cego em tiroteio"
HECTOR BABENCO, cineasta

"Ulysses", de James Joyce
"Tentei ler na juventude e realmente apanhei dele. Consegui ler do início ao fim já adulto, mas ainda com bastante dificuldade. Mas os clássicos são assim, exigem paciência, esforço. Literatura não é competição de rapidez"
TONY RAMOS, ator

"Grande Sertão:Veredas", de João Guimarães Rosa
"Não encontrei identificações com o estilo e ambientação. Tenho certo atrito com os clássicos brasileiros, confesso. Eles não me dizem muita coisa."
SANTIAGO NAZARIAN, escritor

José de Alencar
"Não suporto. Acho que ele é um dos culpados por se ler tão pouco no Brasil. O estilo é penoso, o conflito é datado, falta humor, tem todos os ingredientes de uma obra velha"
GREGORIO DUVIVIER, ator, escritor, cocriador do Porta dos Fundos e colunista da Folha

"A Confederação dos Tamoios", de Gonçalves de Magalhães
"Quem, espontaneamente, se dedicaria a lê-lo?"
ANTONIO CARLOS SECCHIN, poeta, professor e integrante da Academia Brasileira de Letras

"Eneida", de Virgílio
"Já tentei ler umas 15 vezes, mas até hoje não consegui terminar. É difícil, penoso, não é moleza não"
JOÃO UBALDO RIBEIRO, escritor


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