Folha de S. Paulo


Moda de Angola é exemplo para o Brasil, diz consultor

Se foi da África que o Brasil herdou as estampas e o processo artesanal de manufatura aplicado em suas roupas e acessórios, é no mesmo continente que o país deveria se espelhar para construir uma identidade de moda livre dos rumos estéticos dos Estados Unidos e da Europa.

É essa a opinião de Jackson Araújo, que com a Cia. Paulista de Moda, assina a direção da Angola Fashion Week. A edição de verão 2015 do maior evento de moda da África terminou na semana passada, em Luanda, com a participação de profissionais de moda brasileiros.

Dudu Bertholini, da grife Neon, e a estilista Karlla Girotto foram escalados para temperar os desfiles, que reúnem os ateliês mais importantes do continente.

Enquanto Bertholini apresentou a coleção de sua grife, Girotto prestou consultoria de imagem para as marcas participantes.

"Percebemos nessa viagem o quanto nós erramos aqui no Brasil com nossos eventos de moda, que não valorizam a identidade local e não fazem roupas condizentes com o corpo da mulher nacional", diz Araújo. Além de prestar consultoria, ele assinou a trilha sonora do evento.

O apreço dos estilistas africanos pela beleza negra —quase todos os modelos são afrodescendentes— e a valorização das curvas femininas deveriam, segundo Araújo, servir de exemplo para a moda brasileira.

"Aqui no Brasil há um movimento de mudar o estilo nacional com construções baseadas no que outros países produzem", diz ele.

"A África sai na frente por mostrar o novo luxo da moda, que é o artesanal, aplicado em roupas feitas no continente. Ninguém ali quer copiar os estilistas belgas e japoneses, como muitas das marcas brasileiras fazem."

FESTA ÉTNICA

Essa valorização da cultura local foi mostrada na passarela montada no Centro Cultural Paz-Flor, onde ocorreram os desfiles, em apresentações como a de Nadir Tati, Zamia e Antonieta Almeida, nomes importantes da moda africana.

Tati é considerada a principal estilista de lá e é uma das preferidas da primeira-dama angolana, Ana Paula Santos. Sua moda-festa se traduz em vestidos longos estampados com fendas e cintura marcada, construídos com tecidos desenvolvidos em tecelagens locais.

A mesma relação entre corpo, cores e manufatura artesanal serviu de mote para Zamia criar vestidos curtos
de aparência plastificada. O tecido plástico, uma tendência apresentada na temporada internacional europeia, ganhou personalidade étnica nas mãos da estilista.

"As maiores marcas brasileiras estão desesperadas para vender fora do país e se esquecem de desenvolver a cultura de moda local. Quem aqui cria para o Acre, por exemplo?", questiona Araújo, entusiasta da moda latina.

Ele alerta: "Se não olharmos de dentro para fora, corremos o risco de pasteurizar a nossa costura".


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