Folha de S. Paulo


Artista Nino Cais usa universo kitsch em reflexão sobre o corpo

Há algo de kitsch na obra de Nino Cais. Numa das salas de sua mostra agora no Paço das Artes, está uma Vênus de gesso com um cristal preso à testa. Duas caixas de som servem de pedestal à estátua e tocam "Parole, Parole", clássico italiano dos anos 1970.

Essa é aquela —cafonérrima— canção em que um homem declama seu amor por uma mulher já cansada de suas mentiras. Ela já não quer saber de "palavras, palavras".

Nem Cais. Uma das revelações da última Bienal de São Paulo, o artista faz agora sua maior mostra individual. E constrói um panorama de quase cem obras que tentam prescindir de explicações.

"Tentamos sempre dimensionar uma obra de arte por meio das palavras", diz Cais. "Mas é quase impossível transcrever aspectos delas."

Divulgação
Foto sem título de Nino Cais no Paço das Artes
Foto sem título de Nino Cais no Paço das Artes

Ele troca então a língua pelo corpo inteiro. Suas instalações e fotografias, entre autorretratos e imagens roubadas de livros antigos, mostram sempre corpos mutantes, híbridos de homem e mulher às vezes fundido a objetos.

É o caso da série em que se vestiu de meias-calças femininas e enfiou frutas, como bananas e maçãs, dentro do tecido -protuberâncias grotescas e um tanto tropicais espalhadas por todo o corpo.

Nesse ponto, Cais questiona estereótipos da beleza carnavalizada associada ao país e discute certa fragilidade na fronteira entre os gêneros. Num de seus autorretratos, ele aparece sem camisa atrás de um enfeite, evocando o pudor de uma jovem gueixa.

Mas enquanto encarna mulheres, Cais também trata dos homens. Uma das instalações da mostra é uma série de ternos masculinos cortados na altura do peito. A parte de cima fica pendurada em cabides, pairando sobre os restos das roupas espalhados no chão do museu.

Ele conta que se inspirou em fotografias de passaporte, que escondem parte do corpo. "Transitamos pelo mundo com esse corte", diz Cais. "É como se o corpo dali para baixo fosse impuro."

Quando trata das mulheres, no entanto, Cais vê o oposto. Usando nus femininos de livros antigos, o artista criou colagens em que cobre o rosto das retratadas com imagens de saias recortadas, como se o que importasse ali fosse só o sexo.

Também tem a ver com outra série em que retratos são obliterados. Aqui o artista cola e depois arranca pedaços de fita adesiva sobre impressões fotográficas, transformando rostos em borrões.

CORPO 'MADE IN CHINA'

"Quero que a gente entre na imagem não pelas feições, mas pela composição", diz Cais. "São superfícies que tomam o lugar das figuras. É um corpo arquitetônico."

Esse corpo é também uma paródia do que Cais entende como o "corpo globalizado", ou seja, uma proliferação de imagens que exaltam certo exotismo massificado.

Daí seus autorretratos com tecidos e objetos comprados em mercados populares, na ânsia de compor essas figuras transnacionais. "É um mundo globalizado, de personagens alegóricos, todos meio 'made in China'", diz Cais. "Vejo o corpo como um ímã, que cria essa harmonia com as coisas no entorno."

NINO CAIS
QUANDO abre nesta segunda (7), às 19h; de ter. a sex., 10h às 19h; sáb. e dom., 11h às 18h; até 7/9
ONDE Paço das Artes, av. da Universidade, 1, tel. (11) 3814-4832
QUANTO grátis


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