Folha de S. Paulo


Arquiteto Sérgio Bernardes é retratado como playboy visionário em filme

Na noite das bodas de prata com sua mulher, o arquiteto Sérgio Bernardes, morto aos 83 em 2002, decidiu fugir da festa. Deixou a casa no Rio, onde recebia desde os Kennedy a ensaios dos Mutantes, sem dar satisfações.

Numa carta que escreveu depois, dizia que estava "farto de representar no mesmo teatro a mesma peça com os mesmos cenários, o mesmo público e a mesma estrela" e que rompia com tudo em "absoluto estado de coerência".

Esse ponto de inflexão na vida de Bernardes, um dos maiores arquitetos do país, é uma espécie de clímax do documentário sobre sua obra que chega agora aos cinemas.

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Projeto de Sérgio Bernardes para o Rio do futuro
Projeto de Sérgio Bernardes para o Rio do futuro

Isso porque marca o momento de ruptura em que o arquiteto playboy, um queridinho da elite carioca, deixava para trás uma vida abastada para se dedicar a projetos utópicos e megalomaníacos, impossíveis de construir.

"Ele era famoso, ganhava dinheiro, mas de repente deu um clique na cabeça dele", conta Thiago Bernardes, neto do arquiteto, que idealizou o filme. "Queria entender até que ponto isso era loucura ou só o ego dele. Desde então, ele passou a se chamar de inventor social, não arquiteto."

Bernardes construiu belas casas, como a da urbanista Lota de Macedo Soares, e inovava com estruturas metálicas, num contraponto ao concreto armado então em voga.

Mas decidiu deixar o país para estudar novas técnicas de construção, em especial para um hotel em Manaus que desenhou em 1968. Ele queria uma série de torres sob uma enorme redoma de vidro em plena floresta, com um microclima controlado.

Esse e outros projetos extravagantes não saíram do papel. Num de seus desenhos mais célebres, de 1965, Bernardes criou um novo plano urbanístico para o Rio, todo estruturado ao redor de torres de 600 metros de altura.

Na rota dos aviões supersônicos, a cidade então se tornaria o maior centro econômico e cultural do planeta.

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O arquiteto Sérgio Bernardes e sua mulher, Clarice, no Rio, nos anos 1960
O arquiteto Sérgio Bernardes e sua mulher, Clarice, no Rio, nos anos 1960

"Era algo revolucionário e futurista", diz Paulo de Barros, diretor do filme. "Esse desenho foi a obra-prima dele."

Mesmo um visionário, Bernardes caiu no ostracismo por ter construído obras por encomenda do regime militar, o que acabou isolando o arquiteto do meio intelectual.

"Ele foi posto de escanteio como conservador", diz o crítico de arquitetura Guilherme Wisnik. "Mas era experimental, um 'outsider'. Agora que o acirramento ideológico baixou, vai haver uma revisão de sua obra. Suas ideias utópicas estão na moda."

BERNARDES
DIREÇÃO Paulo de Barros, Gustavo Gama Rodrigues
PRODUÇÃO Brasil, 2014
ONDE Espaço Itaú Frei Caneca
CLASSIFICAÇÃO livre


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