Folha de S. Paulo


Crítica: Incomum e ora irritante, mostra em NY revela sensibilidade de Lygia Clark

A mostra do MoMA (Museu de Arte Moderna de Nova York) sobre a brasileira Lygia Clark tem um título desprovido de promessa: "Lygia Clark, O Abandono da Arte, 1948-1988", e parece prenunciar alguma frustração.

Mas ao chegar ao final de seu percurso em meio a essa massa de 300 obras, títulos igualmente apropriados e menos sombrios começam a se sugerir, entre os quais "a expansão da arte" e "a internacionalização da arte".

Porque Clark (1920-1988) não exatamente abandonou a arte mas a empurrou lenta, dolorosa e até logicamente —em pequenas pinturas abstratas, peças de parede e esculturas flexíveis- para um lugar no qual objetos e materiais existiam para ser manipulados e os espectadores se tornavam participantes.

Clark desenvolveu um processo que definiu como "estruturação do self", terapia ou processo de cura psicofísico, que por algum tempo, no final dos anos 1970 e durante os 1980, ela praticou junto a pacientes, antes de reverter seu "abandono" e retornar à arte, nos anos finais de sua vida.

A exposição, incomum, às vezes abrangente e às vezes irritante —a primeira retrospectiva completa sobre Clark na América do Norte— foi organizada pelo curador de arte latino-americana do MoMA, e pela curadora chefe do Hammer Museum de Los Angeles, antiga curadora chefe de desenhos no MoMA.

ARISTOCRÁTICA
A mostra introduz um artista e pensadora com personalidade complicada, aristocrática, confortavelmente egocêntrica que não se enquadra facilmente à arte ou às profissões liberais.

Seus primeiros trabalhos mostram um perfeccionismo delicado mas também uma falta perceptível de sensualidade. Alguns dos esforços posteriores fracassam espetacularmente com execução descuidada e ambição desmedida, como a risível instalação "A Casa é o Corpo: Penetração, Ovulação, Germinação, Expulsão", de 1968.

Apresentada com reverência, em um espaço reservado só à instalação no quarto piso, ela consiste de quatro salinhas; o visitante supostamente experimenta os processos da vida. (Até parece.)

"Penetração" está cheia balões brancos, enquanto "Expulsão" tem fios pendurados do teto e bolas de borracha.

A carreira de Clark tem um aspecto de crescimento forçado no qual a jornada parece impressionar mais que paradas no caminho. A mostra abarca mais anos, em termos de arte, do que a vida da artista durou. Em muitos momentos Clark se torna repetitiva, como se não quisesse desenvolver as ideias que teve.

PINTURA E GEOMETRIA

A exposição se espalha por quatro grandes galerias. Primeiro vem a pintura. Depois de algumas preliminares competentes ainda no campo da representação, do começo dos anos 1950, avança para diversos tipos de abstração geométrica.

As obras a qualificam como participante do grupo vanguardista conhecido como "neoconcretistas", que incluía também Hélio Oiticica (1937-1980), jovem pintor e amigo de Clark por toda a vida.

Os quadros a seguir se tornam mais e mais físicos, e as linhas que os dividem começam a se inclinar diagonalmente, conduzindo a uma segunda galeria onde uma série de composições interligadas em branco e preto são investigadas exaustivamente.

A artista logo começa a produzir peças semelhantes em metal, o que permite que tomem a forma de planos brancos e pretos inclinados, o que por fim a conduz ao real.

Clark já vinha falando disso há algum tempo. Em 1956, ainda pintora, ela fez uma palestra na qual discutia a importância do espaço de maneira semelhante ao que os minimalistas fariam depois.

A terceira galeria é dominada por peças mais conhecidas, as pequenas esculturas metálicas de nome "Bichos", e esforços semelhantes do período 1960-1963.

Feitos em chapas de alumínio, seus planos geométricos são unidos por dobradiças e posicionados em diversos arranjos. Há três cópias para manipulação, e brincar com elas é divertido. Parecem brinquedos para adultos com inclinação visual, e é fácil imaginá-los à venda na loja de presentes do museu.

Há duas vitrines que escapam ao fluxo cronológico e contêm algumas das peças mais satisfatórias da mostra: pequenas estruturas feitas de caixas de fósforos coladas e empilhadas, pintadas em geral de vermelho ou azul brilhante. Elas datam de 1964, quando Clark deixou para trás os objetos, e parecem plantas para casas ou móveis.

A galeria final oferece alívio, nem que só porque os ângulos duros das peças precedentes se atenuam, dando lugar a materiais macios e maleáveis que predominam em objetos improvisados, usados no trabalho terapêutico de Clark —bolas, luvas de borracha e máscaras, parecendo refugiados do surrealismo—, mas que sugerem que Clark atingiu uma sensibilidade que ela não viveu o bastante para desenvolver de modo pleno, na vida ou na arte.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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