Folha de S. Paulo


Nova geração da família Coppola chega aos cinemas nos EUA

A maior parte dos relatos concorda em que Gia Coppola —cujo primeiro longa como diretora, "Palo Alto", estreou em 9 de maio— representa a quarta geração de sua famosa família hollywoodiana a entrar no mundo do cinema.

Mas "vovô" —o homem que o resto do mundo conhece como Francis Ford Coppola— diz que ela na verdade faz parte da quinta. Não só o pai dele, Carmine, ganhou um Oscar pela trilha sonora de "O Poderoso Chefão 2" como seu avô, Agostino, ajudou a criar o sistema Vitaphone, que levou o som aos filmes mudos.

"Eles ficaram entusiasmados", disse Gia Coppola, 27, recentemente sobre a reação da família ao ser informada de que ela estava escrevendo e dirigiria um filme. "Mas o importante para mim é que essa era a chance de tentar chegar lá por conta própria".

Baseado em uma coleção de contos escritos pelo ator James Franco —que estrela o filme como um técnico de futebol charmosamente safado, e inclinado a dormir com meninas menores de idade, em uma escola de segundo grau— "Palo Alto" acompanha as reviravoltas nas vidas de um grupo frouxo (por assim dizer) de adolescentes californianos. Onírico, pungente e desprovido de qualquer traço de moralismo, o filme descreve suas festas, transas e paixonites canhestras com facilidade notável, quase com carinho.

Todd Heisler/The New York Times
Gia Coppola, neta de Francis Ford Coppola, em Nova York
Gia Coppola, neta de Francis Ford Coppola, em Nova York

"Palo Alto" recebeu ótimas críticas no Telluride Film Festival do ano passado. Para a estreia do filme, Gia chegou à festa acompanhada por Francis Ford Coppola.

"É um grande alívio", disse, sobre a recepção dos críticos, em uma conversa acompanhada por cafés em Nova York, no mês passado. "Eu me esqueci completamente de como funciona o processo da crítica, enquanto estava rodando o filme".

Aventurar-se na criação de um roteiro e na direção de um longa-metragem é um peso para qualquer pessoa —e ainda mais se ela faz parte do que talvez seja a mais ilustre dinastia de Hollywood. Quando você tem Sofia Coppola, Talia Shire, Jason Schwartzman e Nicolas Cage como parentes, acusações de nepotismo são inevitáveis.

Mas Gia Coppola diz que no geral se manteve afastada da família ao dirigir "Palo Alto", e que em lugar disso buscou conselhos de Franco.

"Ele definitivamente me abre portas", ela diz sobre seu sobrenome. "Mas, ao mesmo tempo, preciso trabalhar com afinco para provar que tenho voz própria. Não me interessa obter toda essa ajuda, e trapacear. Quero aprender".

Magérima, com uma estrutura óssea delicada, cabelos cor de mel e olhos castanhos escuros, Coppola é uma pessoa reservada e discreta, e lembra a tia, Sofia. Mas sua posição na família é singular.

O pai dela era Gian-Carlo Coppola, ou Gio, primogênito de Francis Ford Coppola que morreu em um terrível acidente de lancha em maio de 1986, aos 22 anos. Sua namorada, Jacqueline de La Fontaine, estava grávida e Gia Coppola nasceu sete meses mais tarde.

Ela leva o nome do pai —chama-se "Gian-Carla". Ainda que tenha sido criada pela mãe —que se casaria com Paul Getty, membro de uma dinastia petroleira, e de quem se divorciou mais tarde— em Los Angeles, a família Coppola sempre a considerou como um dos seus. "Eles meio que ocuparam o vazio de eu não ter pai", ela diz.

Gia Coppola passava as férias com os avós no norte da Califórnia, colhendo amoras e pescando com o tio Roman. Quando tinha nove anos, o avô a levou em uma longa viagem à Europa, durante a qual, em dado momento, ele prendeu um walkie-talkie à roupa da menina para que ela pudesse circular à vontade e chamá-lo quando precisasse (eles estavam em um navio de cruzeiro, quando isso aconteceu).

"Havia essa nova garotinha na família, uma irmã mais nova de quem devíamos cuidar e a quem devíamos proteger", conta Robert Schwartzman, primo em segundo grau de Gia. (A mãe dele, Shire, é irmã de Francis Ford Coppola.) "Todos nós criamos Gia, foi como um trabalho de equipe".

Robert e Gia se tornaram especialmente próximos. Ela estudou em escolas particulares de Los Angeles, o Center for Early Education e depois a Archer School for Girls, onde sua terrível timidez a mantinha afastada das demais alunas. Por isso, Robert e ocasionalmente seus irmãos, Matthew Shire e o ator Jason Schwartzman, a levavam de carro para a escola. "Se ela encontrava problemas", conta Robert, "eu ia até lá e tentava apagar os incêndios".

Mesmo assim, Gia continuou a enfrentar dificuldades. O estudo não era seu forte. A falta de coordenação motora a impedia de se dedicar aos esportes e à dança. Ela queria ser criativa, mas odiava ser o centro das atenções. Terminou encontrando refúgio na fotografia.

"Eu era mais uma observadora, e portanto era difícil pensar no que dizer", ela conta. "Por isso eu me sentia muito confortável com a fotografia, algo que eu podia fazer sem ser inspecionada".

Ela abandonou a Archer antes do início da última série, conseguiu seu diploma através do exame de equivalência GED, fez alguns cursos em pequenas faculdades locais e depois se matriculou no Bard College para estudar fotografia. Lá, ela voltou a se aproximar de seu primeiro namorado, Sam Freilich, que se tornou agente literário. O namoro continua.

Coppola ainda não estava pensando em um futuro no cinema, desestimulada em medida considerável pelo talento coletivo de sua família e por seu sobrenome famoso. "Isso me desestimulou um pouco", ela diz.

"Acho que me sentia um pouco intimidada". Foi só quando ela se formou e retornou a Los Angeles, onde foi trabalhar no Bouchon, restaurante de Thomas Keller, que o destino, ou algo parecido, decidiu intervir. Ela foi convidada a participar de um curta-metragem para a grife de moda Built by Wendy. Coppola não aceitou, mas topou dirigir um filme, com a ajuda da amiga Tracy Antonopoulos, diretora de vídeos e compositora.

Ela selecionou Natalie Love —sua melhor amiga desde os sete anos de idade (conheceram-se quando as duas participaram do vídeo de "Red Right Hand", de Nick Cave and the Bad Seeds)— para o papel principal, e descobriu que adorava dirigir filmes. Parecia uma extensão da fotografia, diz Coppola, mas "com mais brinquedos para usar".

O vídeo é engraçadinho, ainda que tenha acabamento amador, e conduziu a curtas de moda para a Opening Ceremony, United Arrows, Wren e Zac Posen for Target. Algo semelhantes aos trabalhos de sua tia Sofia, os filmes de Gia Coppola dedicam atenção aos momentos pequenos, silenciosos. Como a tia, ela atraiu a atenção do mundo da moda. Gia também trabalhou no departamento de figurinos de "Somewhere", filme que Sofia Coppola realizou em 2010, e ajudou na realização de "Twixt", de seu avô, em 2012.

Ela também dirigiu um curta estrelado por Robert Schwartzman, que editou em forma de vídeo para "All My Life", uma canção dele. Robert ficou muito impressionado durante a gravação com o jeito econômico de Gia ao dirigir.

"Foi um momento maravilhoso", disse Schwartzman, que responde pela trilha de "Palo Alto", em parceria com Dev Hynes. "Eu sei que ela é uma pessoa quieta, tímida, gentil, delicada. Não tem nada de fêmea alfa. Mas ela é perfeitamente capaz de fazer o trabalho, quando se trata de dirigir um filme".

Mas a perspectiva de escrever ou dirigir um longa continuava distante. Então, certa noite, cinco anos atrás, Gia se viu em uma festa de Hollywood com sua mãe, que estava conversando com um jovem e charmoso ator chamado James Franco. A mãe perguntou se ela gostaria de ser apresentada a ele, e Gia respondeu que sim.

Franco estava tentando adaptar seu livro de contos "Palo Alto: Stories" para o cinema, de preferência com uma mulher na direção, porque ele achava que isso daria às histórias, muito centradas no ponto de vista masculino, uma abordagem mais densa. Depois de conversar com Gia, ele viu os trabalhos dela de fotografia e vídeo, gostou e, agindo por instinto, a convidou para adaptar e dirigir o filme.

"Percebi que ela tinha a sensibilidade certa para o texto", disse Franco por e-mail. "Às vezes tenho um ótimo instinto para coisas como essas, e às vezes não, mas nesse caso eu estava certo".

Gia Coppola, de sua parte, percebeu que conseguia se ver nos adolescentes dos contos —sua falta de jeito, suas emoções conflitantes, sua confusão, e a percepção cada vez mais forte de que os adultos também têm defeitos. Depois de filmar um curta como teste, ela começou a desenvolver o roteiro, com ajuda de Love e Franco.

Gia escolheu Emma Roberts, estrela do canal infantil Nickelodeon, filha do ator Eric Roberts e sobrinha de Julia Roberts, para um dos papéis principais, e deu oportunidade a muitos atores estreantes, como Jack Kilmer, cujo pai, Val Kilmer, também participa do filme, em um papel pequeno.

Love, a velha amiga de Gia Coppola, que faz um pequeno papel em "Palo Alto", diz que a transformação da amiga em diretora parecia "consequência lógica daquilo que ela já era".

"Gia raramente falava com as pessoas, especialmente adultos", relembra Love sobre a infância das duas. "Ela me dizia no ouvido que queria ir à Disneylândia, e era tarefa minha anunciar o fato ao grupo, como se a ideia viesse de mim. Ela sempre operava nos bastidores, dirigindo os acontecimentos".

Mas Gia Coppola não conseguiu encontrar investidores para o filme. Alguns dos interessados recuaram diante do número de estreantes envolvidos no projeto. Por fim, Franco interveio. "Eu acreditava em Gia e queria fazer o filme a qualquer custo", ele escreveu. Por isso, deu a Gia o dinheiro que ganhou com o filme "Homefront" para que ela bancasse a produção. (Coppola não quis revelar a quantia.)

A filmagem começou no Halloween de 2012 em Woodland Hills, um bairro de Los Angeles. Foram 30 dias de trabalho, de acordo com a maioria dos relatos em clima bem caseiro. Jack Kilmer e seu amigo Nat Wolff, que interpreta um encrenqueiro chamado Fred, dormiam em camas de armar na garagem de La Fontaine, onde assistiam a filmes antigos na velha TV de Francis Ford Coppola. La Fontaine às vezes aparecia no set com bolinhos, bagels e hambúrgueres. Por falta de orçamento para contratar extras, Coppola recorreu aos amigos para uma cena de festa.

"Era um grupo de jovens", diz Wolff. "Havia algo no fato de que aquele fosse seu primeiro filme que nos levava a sentir que estávamos todos juntos no projeto".

E como diretora, ele diz, Coppola tem uma tranquilidade que se espalhava pelo set. "Gia é tão calma, tem tanto controle e é tão divertida que ela faz com que todo mundo sinta ter voz", ele diz.

Com o filme a ponto de estrear, Coppola ainda está se acomodando à vida em Nova York. Freilich e ela se mudaram de Los Angeles para cá em janeiro. Entre todas as mudanças, ela diz que talvez a mais difícil seja deixar "Palo Alto" para trás.

"É difícil largar mão", ela disse.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


Endereço da página: