Folha de S. Paulo


Tommy Lee Jones causa estranheza em Cannes com faroeste de alma feminina

Nove anos depois de ganhar o prêmio de melhor ator por "Três Enterros", sua estreia como diretor, Tommy Lee Jones volta a causar surpresa em Cannes. Seu novo filme na direção, "The Homesman", é um faroeste que não segue o manual hollywoodiano do final feliz e tem uma alma feminina ainda mais inesperada.

Não que Lee Jones não seja capaz, mas é que o ator é famoso por ser uma pessoa direta e de modos, digamos, rústicos. Mas seu longa traz à tona seu lado mais consciente: é a história de uma mulher, Mary Bee Cuddy (Hilary Swank), que cuida da fazenda sozinha no ainda selvagem Nebraska do início do século 19, por mais que procure o marido certo. Ela, "mais homem do que qualquer homem da região", como o padre da cidade a define, candidata-se a levar três mulheres com distúrbios mentais para a costa leste —onde poderão ser tratadas.

Apesar de ser baseado no livro homônimo de Glendon Swarthout, lançado em 1988, Tommy Lee Jones tomou interesse e focou a pesquisa em um compêndio médico da época, "no qual esquizofrenia era tratada com afogamentos de seis em seis horas na água gelada", falou o diretor à imprensa mundial. Em resumo, Mary Bee precisa tirar suas conhecidas das mãos de maridos abusivos ou do luto insuportável pela perda de bebês em questão de dias para tratamentos desumanos "na civilização".

Para ajudá-la no transporte por milhares de milhas, ela recruta um bandoleiro que salva da forca, interpretado por Tommy Lee Jones em uma de suas melhores performances nos últimos anos. "Como ator, eu ouvi cuidadosamente meu diretor", disparou o cineasta em um mais um dos vários resmungos ao longo da entrevista. "Fazer as duas funções é um problema, mas a solução."

Os ataques de Tommy Lee Jones não pararam por aí. Perguntando sobre a escolha do elenco, mandou: "Procuramos por pessoas que sabem ler, não é difícil". Sobre a mistura de comédia e drama no seu personagem, um beberrão andarilho, falou: "Eu escrevi o roteiro, eu sabia que era assim". E acerca da jornada do protagonista: "O filme fala por si mesmo".

Por sorte, esse sarcasmo todo não interfere no longa. O tom sensível do filme só não se reflete no aspecto dramático das tragédias, o que pode ser um reflexo da personalidade do ator/diretor, mesmo que seja para evitar a ideia de que ele poderia fazer cenas mais violentas. Talvez temendo ser tido como um diretor bruto, ele tenha preferido suavizar em vez de chocar.

Ainda assim, "The Homesman" é um faroeste esquisito, sem grandes tiroteios, mas repleto de questionamentos morais, planos belíssimos (cortesia do diretor de fotografia Rodrigo Prieto) e boa música. "O supervisor musical, que, por sinal, é meu filho, fez uma extensa pesquisa na biblioteca nacional para encontrar canções raras daquela época", disse o americano, finalmente entusiasmado em responder alguma pergunta. "E ele toca o banjo na última cena."


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