Folha de S. Paulo


Apesar da falta de ousadia estética, 'Saint Laurent' é digno do estilista

Yves Saint Laurent (1936-2008) mudou a moda feminina nos anos 1960. Se enxergava mais como um pintor —dizia que "nunca seria um Matisse"— e menos como um estilista revolucionário. "Saint Laurent", sua nova biografia cinematográfica, exibida em Cannes, neste sábado (17), pode não seguir essa ambição estética de ir além de uma obra comercial, mas ainda assim é um filme repleto de qualidades.

A começar pela curiosidade do diretor francês Bertrand Bonello ("Na Guerra") em relação não apenas ao processo criativo interno do estilista, mas também sua visão dos bastidores da moda —a sequência inicial, na primeira maison YSL, talvez seja uma das mais esclarecedoras do cinema sobre como um vestido de alta costura é produzido. "Você o vê desenhando muito, porque é a base de seu trabalho, depois esse vestido vai para a oficina de costura e mostramos os testes de tecido. Essa criação era importante", afirmou Bonello.

"O que me atraiu no filme foi o fato de ir além de uma biografia, mas uma odisseia sobre o processo criativo", completou o ator francês Gaspard Ulliel, dono da missão de incorporar um dos nomes mais importantes da história da moda. "No começo, eu estava hesitante, mas depois [a atuação] veio de forma natural."

O filme, ao contrário da biografia dirigida por Pierre Niney ("Românticos Anônimos") e lançada recentemente no Brasil, não foca na relação de Saint Laurent com o homem mais importante de sua vida, Pierre Bergé (Jérémie Renier), seu ex-amante e cofundador da grife, mas entre os anos de 1967 e 1976 —apesar da participação especial de Helmut Berger, ator preferido de Visconti, como o Saint Laurent dos últimos anos de vida. "Aquela década foi a mais rica em termos de moda, mas também na vida de Saint Laurent. Teve de tudo neste período", explicou o diretor.

"Saint Laurent" começa já com uma carta do estilista nascido na Argélia (tomada pelos Franceses) para Andy Warhol, passa para seu encontro com suas musas Loulou de la Falaise (Léa Seydoux) e Betty Catroux (a novata e linda Aymeline Valade) e não desvia dos excessos das drogas e sexo. "O fato de não termos apoio de ninguém ligado a Yves Saint Laurent me libertou para ir a fundo na verdade", disse Bonello. "Não me preocupei em com a moral, em julgar o que é bom ou mal."

O filme só escorrega de leve ao escolher o caso de Saint Laurent com o modelo Jacques de Bascher (Louis Garrel), modelo e amante do fotógrafo e designer da Chanel Karl Lagerfeld, como espinha dorsal da segunda metade do filme. Perde em emoção ao ponto do clímax dramático virar a morte do cão do estilista —ele teve vários semelhante ao longo da vida depois que o animal engoliu tranquilizantes espalhados pelo chão.

Mas com uma trilha sonora regada a Velvet Underground, Stones e Maria Callas, a cantora preferida de Saint Laurent, e a coragem de contar uma história com glamour e verdades dolorosas, "Saint Laurent" é tanto para aqueles que não entendem como as pessoas perdem tempo na frente de uma passarela, quanto para quem não pode viver longe de uma.


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