Folha de S. Paulo


Comédia argentina produzida por Almodóvar entusiasma Cannes

Único representante da América Latina na corrida pela Palma de Ouro, o filme argentino (em coprodução com a Espanha) "Relatos Salvajes" não poderia ter tido uma melhor recepção nas duas primeiras sessões do festival, na noite desta sexta-feira (16). O longa, produzido pelo diretor Pedro Almodóvar, arrancou gargalhadas e aplausos durante a exibição de sua antologia de seis histórias de humor negro.

"Relatos Salvajes" dificilmente tem chances concretas de arrebatar a Palma de Ouro. Em primeiro lugar, comédias são bem-vindas no festival, mas em menor grau de destaque —há dois anos, Ken Loach conseguiu o prêmio do júri por "A Parte dos Anjos", porém o próprio cineasta já era uma franquia respeitada no evento. Não é o caso do portenho Damián Szifron, ainda em seu terceiro filme, o primeiro em Cannes.

Em segundo lugar, antologias precisam ser muito bem intricadas para tomar o lugar de um longa tradicional —nem Jim Jarmusch, mestre do gênero com "Uma Noite Sobre a Terra" (1991) e "Sobre Café e Cigarros" (2003), conseguiu. Contudo, a ambição do longa argentino não parece fixa na ideia de prêmios: é um filme com apelo comercial forte, tanto que sua distribuição, inclusive no Brasil, onde deve aportar no segundo semestre, foi comprada pela poderosa Warner.

A abertura é antológica e rendeu os primeiros aplausos em Cannes. Passageiros em um voo começam a conversar e descobrem que algo une todos eles. O texto é de uma acidez tão violenta que fica difícil entender como Almodóvar não se inspirou nela para melhorar seu último filme, "Os Amantes Passageiros" (2013). A segunda história é ainda mais venenosa, sobre uma garçonete que recebe um cliente ligado ao seu passado trágico e precisa decidir qual atitude tomar com a informação.

A terceira parece ser mais óbvia —um playboy, em seu carro possante, passa por um motorista humilde e o xinga, mas não conta com um pneu furado mais adiante— até a briga dos dois personagens evoluir quase ao surreal. A quarta, protagonizada por Ricardo Darin, vai ser facilmente reconhecida pelos brasileiros: um engenheiro entra numa espiral de revolta quando seu carro é levado pelo guincho e uma série de burocracias o leva à loucura. Uma trama na cara de qualquer paulistano, mas feita por um argentino inspirado.

A quinta e sexta histórias pecam um pouco por serem mais leves, o que não se espera para o que deveria ser o "clímax" do filme. A penúltima —e mais fraca— traz uma família tentando livrar o filho da culpa de um atropelamento ao pedir para o jardineiro assumir o acidente. Já o capítulo derradeiro, sobre uma noiva que descobre a traição do marido em plena festa de casamento, tem seus momentos, mas eles são obscurecidos pela primeira metade do longa.


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