Folha de S. Paulo


Fundamentalistas islâmicos são alvo de filme em competição de Cannes

O primeiro filme da competição pela Palma de Ouro não poderia ser mais diferente do longa de abertura do Festival de Cannes. Enquanto "Grace: A Princesa de Mônaco" distribuiu dramas fugazes pela croisette, o pesado "Timbuktu" ganhou aplausos entusiasmados na noite desta quarta-feira (14), mostrando a dura realidade de uma pequena cidade no interior do Mali dominada por fundamentalistas islâmicos.

Baseado em eventos reais, o filme do cineasta mauritano Abderrahmane Sissako é um dos mais corajosos exemplares de cinema ativistas dos últimos anos a figurar no evento francês. "Timbuktu" usa como base o apedrejamento até a morte, em 2012, de um casal de Aguelhok, no norte do Mali —uma vila ocupada por invasores árabes fundamentalistas em busca da guerra santa, a "jihad".

Mas Sissako promove uma trama completamente original, mostrando um grupo de radicais que não entendem a própria função —eles inventam leis instantâneas absurdas como o uso obrigatório de luvas para mulheres e calças dobradas para os homens. Há uma dose de humor negro, por exemplo, quando um dos "policiais extremistas", um ex-rapper alcoólatra, tenta gravar um vídeo para falar de sua conversão. Ele não consegue e o outro terrorista tenta dirigir sua interpretação. "Você não está convincente o bastante", pede.

Outros invasores preferem dirigir em círculos em caminhonetes pelo deserto africano. Outros conversam sobre futebol —no momento mais engraçado, um dos terroristas afirma que o Brasil vendeu a Copa de 2008 "por três sacos de arroz, porque eles são pobres."

De certa maneira, inconsciente ou não, o diretor traça um paralelo entre a estupidez do radicalismo com a estupidez da inocência da adolescência. No caso, os bullies islâmicos proíbem música e arte e condenam um casal à morte apenas por não serem marido e mulher.

O encontro do humor em situação de risco é consciente e refrescante. De certa maneira, o filme desglamouriza muito mais o mundo dos radicais islâmicos do que o palestino "Paradise Now" (2005), interessando-se pelos pequenos poderes, nos bandidos que passam longe da CNN ou da lista de mais procurados da CIA.

No centro da trama, ainda há uma família nômade sofrendo nas mãos desses xerifes e juízes após o patriarca matar um pescador. É quando Sissako atesta: no meio da insanidade religiosa, fugir pode ser a única solução.


Endereço da página:

Links no texto: