Folha de S. Paulo


Cinema nacional não transforma livro em best-seller, diz Marçal Aquino

Marçal Aquino conquistou o público com o livro "O invasor", que ganhou premiada adaptação para o cinema em 2001 pelas mãos e olhar de Beto Brant.

A parceria entre os dois foi tão produtiva que trabalharam juntos em outras versões para o cinema, a mais recente outro texto do escritor, dessa vez "Eu Receberia As Piores Notícias dos Seus Lindos Lábios", protagonizado pela bela Camila Pitanga.

Aquino é o destaque deste sábado (19) na 2ª Bienal do Livro e da Literatura, em Brasília, conversando com o público sobre adaptações literárias para cinema, às 15h, no auditório Nelson Rodrigues.

Em entrevista à Folha, ele diz que o hábito da leitura no Brasil não vai desaparecer nunca e que o incentivo para formar mais leitores está na educação e na economia. "Para comprar livros, a maioria das pessoas, que nem ler direito sabe, teria de abrir mão de comida. Não dá", observou.

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Folha - Qual é a sua expectativa quanto à Bienal Brasil do Livro e como é participar de eventos como esses?
Marçal Aquino - Frente às dificuldades cada vez maiores enfrentadas pelos livros e pelo hábito de ler, acho sempre positiva qualquer iniciativa que possa despertar o interesse de pessoas por esse mundo. É sempre bom ter contato com quem lê. Tenho a sensação de estar conversando com os da minha tribo.

Qual é o melhor caminho para se fazer uma boa adaptação literária para o cinema?
Historicamente, a literatura sempre serviu de matriz para o cinema, tanto no Brasil quanto em Hollywood. Dizem que é mais difícil escrever um roteiro original, o que não é necessariamente verdade. Com base nestes anos de relação com o cinema, estou convencido de que um filme adaptado nada mais é do que uma leitura, uma das leituras possíveis, de um livro.  Um outro cineasta faria diferente, faria a "sua" leitura.

Patricia Araujo
Retrato do escritor Marcal Aquino para a secao GPS. Foto: Patricia Araujo. *** FOTO EM ARTE E NÃO INDEXADA ***
O escritor Marçal Aquino

O cinema é uma boa forma de divulgação da literatura e vice-versa?
O Brasil ainda não atingiu aquele estágio hollywoodiano, em que um filme pode provocar um best-seller. No meu caso, o cinema ajudou muito no trânsito da minha literatura, além é claro da inesgotável emoção que é ver aquilo que você criou numa tela.

Quando percebeu que escrever roteiros era algo interessante?
Na verdade, a culpa é do Beto [Brant, diretor]. Lá por 1994, eu acompanhava de perto o trabalho de adaptação de um conto meu, que daria origem ao filme de estreia dele, "Os Matadores". Houve um momento em que o Beto se declarou satisfeito com o trabalho dos roteiristas. Satisfeito, mas não feliz. Tanto que me convidou para ajudá-lo em ajustes, que acabaram virando 70 dias de trabalho e na reescrita radical do roteiro. Penso que o diferencial foi a experiência de termos viajado para a fronteira em busca de locações e do contato com pistoleiros de verdade. Foi ali que comecei.

Quais foram as melhores adaptações literárias para o cinema em sua opinião?
Não saberia dizer quais "as melhores adaptações". Algumas vezes reconheço que o cinema faz belas leituras de belos livros. A título de exemplos, eu mencionaria o "São Bernardo", do Leon Hirzsman, "Lavoura Arcaica", do Luiz Fernando Carvalho, e "Cidade de Deus", do Fernando Meirelles e Kátia Lund.

Quem são seus ídolos da literatura?
A rigor, não tenho ídolos. Existe, isso sim, um grupo muito grande de autores que foram importantes na minha formação como leitor e escritor. Não tenho nem como arrolar seus nomes e nem desejo isso porque, felizmente, todo o tempo estou descobrindo novos "escritores favoritos".

Lê-se pouco no Brasil. É uma questão cultural ou política?
Tenho a sensação de que o hábito de ler livros nunca vai desaparecer. Mas é certo que vai se restringir a um grupo cada vez mais limitado. A alteração desse quadro envolve, sim, a educação em primeiro lugar. Mas há outros fatores que vão além e passam até pelo viés econômico. Para comprar livros, a maioria das pessoas, que nem ler direito sabe, teria de abrir mão de comida. Não dá.

Já desistiu da ideia de querer parar de escrever?
Aquilo foi uma brincadeira com meu querido amigo Assis Ângelo, que acabou repercutindo mais do que seria de se esperar. Não penso em parar de escrever.


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