Folha de S. Paulo


Crítica: Indicado ao Oscar, 'Ela' oferece romance aos hiperconectados

A literatura, há séculos, e o cinema, há décadas, nos ensinaram a temer as máquinas e toda espécie de inteligência artificial. Sinal dos tempos, "Ela" inverte a equação e converte o medo em paixão.

Em seu quarto longa, Spike Jonze projeta um futuro pouco distante e cria personagens idênticos aos que cruzamos nas ruas. Todos de cabeça baixa, imersos no universo paralelo que promete nos celulares seu "abre-te sésamo".

Theodore vive o que em outros tempos chamava-se alienação. Hoje, ele é um hiperconectado. Continua, porém, sendo um eterno solitário em busca de vínculos com outros átomos sociais.

Divulgação
Joaquin Phoenix como Theodore em 'Ela', de Spike Jonze
Joaquin Phoenix como Theodore em 'Ela', de Spike Jonze

Nesse mundo do cada um por si, a chegada de alguém que dá carinho e resolve os problemas é como uma utopia masculina, mãe e amante numa só mulher.

Samantha é tudo isso, além de sexy e engraçada. Perfeita em sua irrealidade, seu único defeito é ser impalpável, pois é um sistema operacional, presente na forma de voz. Nela, Theodore encontra tudo e descobre o nada.

Em vez de fazer um enésimo filme de crítica aos efeitos desumanizantes da tecnologia, Jonze sonda o relacionamento como paixão. A descoberta, o fascínio, a entrega são revisitados no modo fantasioso que Hollywood domina.

Só que entre o homem e a amada se interpõe o mundo com suas leis físicas que mais cedo ou tarde exigem a presença. É aí que Jonze dá o grande salto, materializa nas imagens o mal-estar universal da insuficiência da comunicação. Após uma década de Facebook, "Ela" atualiza o tema, recorrente desde os modernos, da incomunicabilidade.

Contra a lei do acúmulo em que tanto acreditamos, Jonze propõe a dessaturação, o esvaziamento. Assim, entrega um dos mais lindos, e tristes, espetáculos do ano.

ELA
DIREÇÃO Spike Jonze
PRODUÇÃO EUA, 2013
ONDE Eldorado Cinemark e circuito
CLASSIFICAÇÃO 14 anos
AVALIAÇÃO ótimo


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