Folha de S. Paulo


Mestres da fotografia em preto e branco têm obra colorida redescoberta

Um beijo apaixonado no meio da multidão em Paris. E a hora da morte de um soldado, baleado na Guerra Civil Espanhola. São flagras —em preto e branco— que moldaram uma visão da história no imaginário coletivo.

Mas nunca o passado foi tão colorido. Embora suas imagens em tons de cinza tenham virado ícones, fotógrafos como Robert Capa e Robert Doisneau estão sendo redescobertos agora por sua produção em cores, antes relegada a um segundo plano.

Essa "ressurreição" da cor, nas palavras do crítico Eder Chiodetto, parece vir a reboque da consagração recente de fotógrafos que construíram toda a sua obra usando o registro colorido, como o italiano Luigi Ghirri e o americano William Eggleston.

Robert Capa/Divulgação
Pablo Picasso e seu filho Claude em retrato de Robert Capa da década de 1950
Pablo Picasso e seu filho Claude em retrato de Robert Capa da década de 1950

E não é qualquer cor. São os tons hiper-saturados, em especial do filme Kodachrome, inventado em 1935, que hoje tem apelo insuspeitado entre amantes de um registro com pegada retrô —filtros do Instagram são prova disso.

Voltando aos longínquos anos 1950 e 1960, mostras em Nova York e na França exibem agora fotos em cores estridentes de dois dos maiores mestres do preto e branco.

No caso de Capa, húngaro que morreu aos 40 em 1954, vítima de uma mina terrestre, suas imagens agora no International Center of Photography em nada lembram o clima de horror das fotografias que o tornaram mais célebre.

Ele retrata o artista Pablo Picasso tomando um banho de mar com o filho Claude ainda pequeno, o escritor Truman Capote num veleiro na Itália e a atriz Ava Gardner retocando seu batom vermelho antes de entrar em cena.

"Essa era uma parte da obra dele que não interessava a ninguém", diz Cynthia Young, curadora da mostra nova-iorquina. "As imagens têm uma sensibilidade diferente daquilo que o definiu como fotógrafo de guerra. Talvez por isso elas tenham sido esquecidas no arquivo."

Doisneau, francês morto aos 81, há 20 anos, também encontrou na cor certo desbunde, um desvio da rotina de Paris que retratava quase sempre em preto e branco.

Numa série para a revista "Fortune", realizada em 1960, Doisneau, então em sua primeira viagem aos Estados Unidos, fotografou um resort de aposentados abastados em Palm Springs, no Colorado, bem no interior do país.

Usando filme colorido pela primeira vez, ele parece ter se deixado seduzir pela vastidão verdejante dos campos de golfe, os vestidos espalhafatosos das senhoras, carrões lustrosos e o céu azulíssimo.

"Essa é uma outra linguagem, um lado mais obscuro da obra dele", diz a curadora francesa Muriel Catala. "Há enquadramentos distintos e uma ambientação ao mesmo tempo bela e delicada, que sente o peso da luz."

DESVIO PARA A COR
Mas por mais sedutoras que sejam essas fotos, críticos lembram que muitas vezes seus autores as desprezavam como inferiores àquelas em preto e branco, já que nos primórdios da cor era difícil controlar seu resultado final.

É também por isso que essas imagens precisam de restauros para que voltem a ter a luminosidade da época.

No meio do que considera um "processo de redescoberta", o curador de fotografia do Instituto Moreira Salles, Sergio Burgi, revela que imagens coloridas feitas na década de 1940 pelo modernista Thomaz Farkas, morto aos 86, há três anos, estão sendo digitalizadas agora para que sejam expostas até o ano que vem.

"É interessante pensar como fotógrafos com a obra sedimentada no preto e branco trabalham a cor", diz Burgi. "Essa é uma vertente mais humanista do Farkas."


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