Folha de S. Paulo


Crítica: Filme chileno 'Gloria' constrói personagem raro no cinema

Gloria tem 58 anos e está sozinha em um baile de Santiago, no Chile. Enquanto todos parecem se divertir à sua volta, ela apenas toma um drinque e observa o ambiente. Aos poucos, se sente tomada pela música, começa a cantar baixinho, a mexer os ombros.

Num estalo, Gloria invade a pista, paquera um velho conhecido, dança como se não houvesse amanhã. Mas, como o amanhã existe, ela vai embora, ainda sozinha, para trabalhar de ressaca no dia seguinte.

Esta é a primeira sequência de "Gloria", de Sebastián Lelio. E ela, de certa forma, antecipa o discreto encanto do filme chileno, seu desejo de acompanhar, com atenção e sem julgamento, um personagem que costuma passar despercebido no cinema.

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Gloria (Paulina García) e Gabriel (Alejandro Goic) em cena do filme chileno 'Gloria', de Sebastián Lelio
Gloria (Paulina García) e Gabriel (Alejandro Goic) em cena do filme chileno 'Gloria', de Sebastián Lelio

A saber: uma mulher madura, de classe média-alta, separada, com filhos crescidos, trabalho estável, não particularmente bonita, sem uma história trágica ou heroica. Como a própria se define, uma mulher contente, que às vezes fica triste pela manhã, às vezes à tarde.

Ou seja, tudo aquilo que o cinema não considera sexy. E, ainda assim, Gloria pode, em um dado momento, ser sexy, ou espirituosa, ou profunda. Basta um tempo para observá-la -e este tempo o diretor nos oferece.

Antes uma crônica afetiva do que uma trama alinhada, o filme se detém sobretudo na tentativa de uma relação entre Gloria (Paulina García) e Rodolfo (Sergio Hernández), homem mais velho, sensível, recém-divorciado, mas sufocado por ex-mulher e filhas.

Gloria se apaixona pelo homem, mas não se submete à situação. Seu desejo de viver uma nova paixão tem limite. E aí está outro mérito do filme: sua protagonista não pode ser definida em uma frase simples.

Gloria não é uma mulher em busca de amor, não é uma mulher amargurada pela distância dos filhos, não é uma mulher que sobreviveu à ditadura chilena. No máximo, é uma mulher que precisa de uns drinques para quebrar tudo na pista de dança.

É preciso dizer que um filme de personagem como este só fica em pé com um grande intérprete. E isso "Gloria" também tem, na figura de Paulina García, ganhadora do prêmio de melhor atriz no Festival de Berlim e capaz de transmitir toda a invulgaridade de uma mulher comum.

Graças ao poder de observação de Lelio e a sutileza da interpretação de García, Gloria transforma-se ao longo do filme em um personagem singular, encantador, por vezes apaixonante. Dessa figura muito distante da "femme fatale", pode-se afirmar ao final: nunca houve uma mulher como Gloria.

GLORIA
DIREÇÃO Sebastián Lelio
PRODUÇÃO Chile, 2013
ONDE Espaço Itaú Pompeia, Pátio Higienópolis Cinemark, Reserva Cultural e circuito
CLASSIFICAÇÃO 14 anos
AVALIAÇÃO bom


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