Folha de S. Paulo


Crítica: Leitora teen é heroína contra o nazismo em adaptação de best-seller

O Terceiro Reich desapareceu há quase sete décadas, mas sua presença perversa continua envenenando livrarias e cinemas. São livros e filmes de péssima qualidade, que transformam o nazismo em entretenimento leve.

O clichê antinazi é tão rentável que mesmo as obras medíocres acabam encontrando um atalho para o sucesso.

Mas nem tudo é ordinário nessa indústria. Sempre há os poucos livros e filmes que, driblando a demagogia, funcionam artisticamente. Não graças ao panfleto antinazi, mas apesar dele.

Divulgação
Liesel (Sophie Nélisse), em 'A Menina que Roubava Livros'
Liesel (Sophie Nélisse), em 'A Menina que Roubava Livros'

As duas versões de "A Menina que Roubava Livros" —a romanesca e a cinematográfica—, apesar de certo sentimentalismo pasteurizado, não decepcionam.

O australiano Markus Zusak tinha no currículo quatro romances juvenis antes de publicar, em 2005, aquele que seria seu best-seller: "The Book Thief". Foram mais de dois milhões de exemplares vendidos só no Brasil.

A especialidade de Zusak são os heróis adolescentes em desacordo com o sistema social estagnado ou despótico.

Liesel Meminger, sua protagonista mais querida, enfrenta nada menos que os tentáculos do Terceiro Reich e a Segunda Guerra Mundial.

No início de 1939, a menina e seu irmão são separados da mãe comunista e enviados para viver num subúrbio pobre de uma cidade alemã. Durante a viagem de trem, o irmão morre. É o primeiro contato de Liesel com a Morte.

Também é o primeiro contato da jovem analfabeta com o mundo dos livros. Após o funeral improvisado, Liesel furta um "Manual do Coveiro", para manter viva a lembrança do irmão.

Markus Zusak povoa os anos da trama, de 1939 a 1945, com uma galeria de personagens cativantes.

Impossível não amar a obstinada ladra de livros. Difícil não se afeiçoar aos pais adotivos, Hans e Rosa; ao melhor amigo, Rudy; ao rapaz judeu escondido no porão, Max; à mulher do prefeito, Ilsa.

Dirigida pelo britânico Brian Percival, a versão para as telas de "A Menina que Roubava Livros", de pouco mais de duas horas, condensa bem as quase 500 páginas do romance.

A Morte ainda é a narradora da história, mas suas irônicas digressões sofreram cortes substanciais. Há um pequeno ajuste cronológico: a trama começa no final de 1938, para incorporar a infame "Noite dos Cristais".

A novata canadense Sophie Nélisse, de rostinho angelical e petulante, encarna à perfeição a protagonista teen. O premiado australiano Geoffrey Rush também está perfeito na pele do bonachão Hans, pai adotivo de Liesel.

Porém, nessa adaptação eficiente, em que o principal funciona —roteiro, direção, atuação e fotografia—, o descompasso da trilha musical quase põe tudo a perder.

Nas cenas mais pungentes, a música do aclamado John Williams pesa muito, agride, quer emocionar até as poltronas do cinema. Nessas cenas, a delicadeza, ou mesmo o silêncio, comoveria mais que o excesso melódico e orquestral.

LUIZ BRAS é autor de "Sozinho no Deserto Extremo" (Prumo).

A MENINA QUE ROUBAVA LIVROS
DIREÇÃO Brian Percival
PRODUÇÃO EUA/Alemanha, 2013
ONDE Jardim Sul UCI, Pátio Higienópolis Cinemark e circuito
CLASSIFICAÇÃO 12 anos
AVALIAÇÃO bom


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