Folha de S. Paulo


Novo filme de Lars von Trier esquenta onda de filmes de arte com sexo explícito

Trinta e oito falos flácidos, de todas as cores e tamanhos, passam pela tela em 30 segundos. O filme não está nos pulguentos cinemas de sexo explícito, e sim em circuito nacional: "Ninfomaníaca" entra em cartaz nesta sexta.

Como o título insinua, o novo filme do dinamarquês Lars von Trier é sobre uma mulher viciada em sexo.

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A obra mostra, sem tarja preta ou contraluz, a história sexual de Joe. A inglesa comum é interpretada por Charlotte Gainsbourg quando adulta, por Stacy Martin na fase jovem e por atrizes-mirins a partir dos dois anos, quando nasce seu desejo.

Divulgação
A inglesa Stacy Martin dá uma aula de educação sexual em cena de 'Ninfomaníaca'
A inglesa Stacy Martin dá uma aula de educação sexual em cena de 'Ninfomaníaca'

"É claro que foi tudo assustador. Eu precisava ter certeza de que os atores não fariam as cenas de sexo. Quando tive, fiquei tranquila", diz Gainsbourg em entrevista disponível no site do filme.

As partes pudendas na tela são de dublês pornô, para a tristeza dos fãs de Shia LaBeouf, que faz o desvirginador (por encomenda) de Joe.

Von Trier, diretor de "Anticristo" (2009) e "Melancolia" (2011), entregou um filme pornô de mais de cinco horas, que foi limado e desmembrado em dois episódios de quase duas horas —o segundo deve estrear em março.

E adotou uma postura come-quieto com a obra. Não dá entrevistas desde que, em maio de 2011, disse "eu entendo Hitler" no festival de Cannes, no qual desde então é "persona non grata".

CORES QUENTES

O diretor bad boy não está só. Há quatro outros longas com cenas eróticas em cartaz: "Azul É a Cor Mais Quente", "Jovem e Bela", "Tatuagem" e "Um Estranho no Lago".

São filmes de arte realistas, defendem especialistas. "Não é uma cena de sexo explícito que faz um filme pornográfico, assim como não é uma cena com pessoas cantando que define um filme como musical", diz o sociólogo Rodrigo Gerace, que publica em 2014 o livro "Cinema Explícito".

A divisão, entretanto não é muito clara nem para os diretores. Alain Guiraudie, de "Um Estranho...", queria pôr dois atores pornôs para protagonizar. Só evitou a sodomia explícita porque os dublês se negaram a transar sem camisinha, como estava no roteiro e ele queria preservar.

Já "Azul", filme sobre o amor de duas jovens na França, ganhou a Palma de Ouro em 2013 mesmo depois de uma das protagonistas dizer ter se sentido "uma prostituta" nas filmagens.

Espectadores sentiram outras coisas. "Desperta a quinta série em você esse tipo de filme", diz o publicitário Gabriel Altoé, que teve um acesso de gargalhadas em "Azul" no Reserva Cultural.

"Aquela coisa de esfrega a parte uma na cara da outra e as pessoas ao redor paradas, como se nada estivesse acontecendo, olhando pra arte, me fez perder a linha." Foi expulso da sala. No cinema do shopping Frei Caneca, um casal foi vaiado ao fazer som de nojo durante a cena.

Hilton Lacerda, diretor do filme brasileiro "Tatuagem", vê peso político na sacanagem. "Eu acho superimportante a desmoralização. Mostrar um pênis parecia mais violento que mostrar uma arma que mata. Não é."

Tanto que pediu classificação etária para 16 anos, quando colegas davam a exigência de maioridade como certa. Conseguiu —enquanto "Azul" e "Ninfomaníaca" ficaram só para adultos.
E a polêmica em torno dos pelados do seu filme? "Polêmico é alguém achar sexo no cinema polêmico em 2014."


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