Folha de S. Paulo


Quando chegou, Nelson Ned tinha uma cuequinha só, diz Wanderley Cardoso

A morte do cantor Nelson Ned, neste domingo (5), devido a complicações de um quadro de pneumonia, repercute entre os artistas brasileiros. Segundo seu colega, o cantor Agnaldo Timóteo, que gravou músicas de Ned, o "pequeno gigante", como ele era conhecido, era o "segundo maior ídolo brasileiro na América Latina".

"O Nelson Ned só ficava atrás do Roberto Carlos. Eu fui vê-lo cantar no palco, no México, no Hotel del Prado, e em Nova York, e vi o que ele representava. A morte dele foi diferente da morte do Reginaldo Rossi, que estava cercado pela sua família, estava na sua terra [Recife]. O Nelson Ned morreu muito afastado da mídia. Vamos torcer para Jesus Cristo dar a ele ternura", disse Timóteo à Folha.

Morre aos 66 anos Nelson Ned, o 'pequeno gigante da canção'
Morte de Nelson Ned vira notícia em diversos países da América Latina

O pesquisador e escritor Paulo Cesar de Araújo, autor do livro "Eu Não Sou Cachorro, Não! Música Popular Cafona e Ditadura Militar", concordou com Timóteo.

"Nelson Ned foi um gigante da música brasileira. Foi autor de canções que estão no consciente coletivo nacional. Foi um compositor original, nos temas que abordou, na maneira como abordou", disse à Folha.

Segundo Araújo, entre os inúmeros fãs que Ned teve na América Latina, estava um muito especial: o escritor colombiano Gabriel García Márquez, vencedor do Nobel de Literatura.

"Os intelectuais brasileiros se surpreendiam com as declarações de García Márquez sobre Nelson Ned. Ele chegou a dizer que, se sua literatura fosse música, seria um bolero cantado por Nelson Ned."

Para Araújo, na década de 60, 70, e 80, quando Nelson Ned estava no auge, ele sofreu preconceito das elites culturais do país.

"Ele era uma das pessoas mais inteligentes que conheci, e olha que entrevistei a música brasileira quase inteira. Tinha um raciocínio rápido, tiradas de humor, fantástico. Fez sucesso na América Latina, nos Estados Unidos, no México, na África, foi astro internacional. Só que, no Brasil, havia preconceito contra o brega."

Veja abaixo o que disseram alguns outros famosos sobre a perda de Nelson Ned.

*

"Perdemos um dos maiores ídolos do mundo. Fui eu quem levei ele para a [gravadora] Copacabana Discos. Quando viram ele, não ficaram impressionados, mas aí ele cantou 'Tudo Passará' e impressionou. Aí gravou e foi todo aquele sucesso. Nós andamos juntos por Rio e São Paulo. Ele chegou na minha casa, tinha uma cuequinha só. Eu pedi para a dona Dora, empregada lá de casa, que lavasse a cueca dele que eu ia comprar outra. Até o óculos, ele usava um que era amarrado com esparadrapo, eu mandei consertar e depois comprei um novo para ele. Era como um irmão para mim, um dos melhores amigos que eu tive. No exterior, eu só ouvia falar de Nelson Ned, o pequeno grande cantor. Era um orgulho. Me lembro de uma vez que ele chegou no banco com US$ 300 mil para depositar na própria conta, fiquei impressionado com aquilo. Não chego a sentir tristeza, porque com certeza ele está bem amparado pelas pessoas que gostam dele e que estão com ele no Céu, que eu tenho certeza que é onde ele está. Minha vida com o Nelsinho foi muito gostosa."
WANDERLEY CARDOSO, cantor, à Folha

"O Nelson Ned faz parte de um grupo de artistas que foi muito forte aqui no Brasil, que vendeu muitos discos e fez muito sucesso. Era o fim do tempo do cinema nacional, música romântica, essa coisa toda. Estavam saindo de cena o Nelson Gonçalves, Orlando Silva, e tava surgindo esse pessoal da Jovem Guarda. Mas ainda havia uma turma romântica, e o Nelson era dessa turma. Casualmente, a gente pertenceu ao mesmo escritório naquela época, tinha o mesmo empresário, era o mesmo de vários cantores, Cláudio Fontana, Antônio Marcos, Wanderley Cardoso. E o Nelson estourou em espanhol. Ele ganhou um festival no Uruguai com a música 'Tudo Passará' e virou um ídolo sem comparação lá fora. Fez shows no Madison Square Garden, cantou várias vezes no Carnegie Hall. Ele foi muito respeitado nos Estados Unidos, no México, foi muito forte. Iam multidões de 70 mil, 80 mil pessoas assisti-lo."
MOACYR FRANCO, cantor, à Folha

"Descanse em paz Nelson Ned. O Hip Hop te eterniza nos samples!"
EMICIDA, rapper, no Twitter

"Descanse em paz Nelson Ned!"
MC RASHID, rapper, no Twitter

"Fizemos a entrevista com ele no Rio, na casa de uma das irmãs dele, em 2010. Era muito importante que o entrevistássemos porque sempre que conversava sobre ele percebia que as pessoas tinham uma visão um pouco pitoresca, por ele ser anão, pelo tipo de música que fazia e pelos meios em que sua obra circulava, em programas populares de TV. Ele ficou identificado na memória nacional como um cara que fez música para um público popular, e essa é uma visão equivocada. Nelson Ned lotou o Carnegie Hall dois dias seguidos no final dos anos 1960. Foi um dos grandes cantores da música romântica, como Charles Aznavour, que era uma referência para ele. Tinha esse poder de criar uma poesia que se comunica com as pessoas. Não aceitava o estigma de cantor de música brega, dizia que não fazia parte de seu repertório. Ele sabia que era um grande artista e era reconhecido assim por muita gente. Passei o filme no Festival de Guadalajara na primeira vez em que fui ao México, onde ele é um ídolo. Se em outros países você diz que é brasileiro e perguntam pelo Ronaldinho, lá eles falam do Nelson Ned."
ANA RIEPER, diretora do filme "Vou Rifar Meu Coração", sobre música brega, à Folha


Endereço da página:

Links no texto: