Quantos versos cabem numa ilha? O poema "Invenção de Orfeu", do alagoano Jorge de Lima (1893-1953), contém aproximadamente 12 mil deles, distribuídos pelos dez cantos da obra que metaforiza numa ilha todo um universo lírico e narrativo.
A Cosac Naify, em parceria com a editora Jatobá, aproveitou a efeméride de 60 anos de morte do autor para lançar uma edição comemorativa da obra que já passou longos períodos fora de circulação.
O livro traz documentos inéditos como manuscritos, textos datilografados com correções e uma carta em que Ezra Pound (1885-1972) o agradece pelo envio do volume. O poeta americano foi interlocutor frequente de autores como Mário Faustino e do grupo concretista nos anos 1950.
| Arquivo Museu de Literatura Brasileira da Fundação Casa Rui Barbosa | ||
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| Anotações do poema 11 do Canto 6, do livro 'Invenção de Orfeu', do poeta Jorge de Lima |
Para o professor da USP Fábio de Souza Andrade, responsável pelo estabelecimento do texto e pelo posfácio, o poema abrange grande número de referências distintas.
"A obra é resultado de muitas fases sucessivas, do modernismo de primeira hora, do ritmo da dicção nordestina, somado ao gosto pelo surrealismo à moda brasileira."
O longo poema é uma mistura de épico e lírico, escrito com técnicas que abarcam inúmeras formas da tradição: há sonetos, quadras, sextilhas, oitavas camonianas etc.
Para o estudioso, uma das chaves para compreender a unidade do livro é a confluência do imaginário clássico e do cristão. "Jorge de Lima combina matrizes imagéticas marcantes, como a pastoral bíblica, do sofrimento e da redenção, com a clássica, de epopeias anteriores", afirma.
Segundo Suene Honorato, que defendeu recentemente na Unicamp a tese "As Duas Faces de Orfeu na Invenção de Jorge de Lima", o autor usa de modos distintos as referências de Camões e Dante.
"Ele nega 'Os Lusíadas', por causa de seu projeto heroico de guerra e dominação, enquanto retoma Dante, com o desejo de repetir a aventura de atravessar os reinos para encontrar a graça", diz.
Apesar da multiplicidade temática e dos procedimentos estilísticos, a obra é bastante acessível para o público contemporâneo.
"Textos e críticas só tratam o poema como hermético por certo vocabulário médico ou cristão", diz Honorato, que, em sua tese, mostra como a obra se apropria de signos culturais comuns ao leitor.
INVENÇÃO DE ORFEU
AUTOR Jorge de Lima
EDITORA Cosac Naify/Jatobá
QUANTO R$ 69,90 (672 págs.)