Folha de S. Paulo


Crítica: Violência é desfecho lógico em longa chinês 'Um Toque de Pecado'

Jia Zhang-ke converte-se à violência!

Desde maio, no Festival de Cannes, do qual "Um Toque de Pecado" saiu com um prêmio de consolação de melhor roteiro, esse veredito da crítica vem servindo para acomodar a verdadeira violência das imagens do último filme do diretor chinês.

Com uma das obras mais esteticamente admiradas das últimas duas décadas, Jia tornou-se um autor cercado de expectativas. Por outro lado, a capacidade de seus filmes revelarem uma China que contrasta com a imagem pronta de um império decisivo na atual ordem fez de seu trabalho um marco obrigatório para o público, cinéfilo ou não, que se interessa pelo mundo contemporâneo.

Victor.F/Divulgação
Xiao Yu (Zhao Tao) em cena do filme
Xiao Yu (Zhao Tao) em cena do filme "Um Toque de Pecado", de Jia Zhang Ke, no qual interpreta recepcionista de uma sauna

"Um Toque de Pecado" reúne, como um filme em episódios, quatro histórias. Em comum, todas se concluem com uma explosão, gestos de ruptura destrutivos, vingativos, sanguinários que parecem novidade no cinema de Jia, antes mais afeito a crônicas lentas e nada abruptas sobre perdas e transformações.

Um operário revolta-se contra a corrupção numa vila e se torna um enfurecido assassino; um homem mantém a família à custa de crimes brutais; uma garota que trabalha como recepcionista numa sauna recusa-se a ceder a clientes que a veem como prostituta e revida com um surto sangrento; um jovem tenta escapar de uma punição no emprego e, após vivenciar outros tipos de exploração, salta de um prédio.

Assim descritos, os episódios do filme manifestam sua origem como "faits-divers", aquelas notícias de crimes que lemos um pouco para nos horrorizar e um tanto para nos distrair com a tragédia humana.

De fato, todos são histórias reais ocorridas em distintas regiões da China. Contudo, no corpo do programa realista percorrido pelo diretor chinês, não interessa reconstituir tais situações com base numa suposta fidelidade aos fatos.

A sucessão quase mecânica com que o filme expõe essa série de crimes sem castigo serve, como em toda a filmografia de Jia, para capturar o efeito das mutações ideológicas e materiais de uma sociedade sobre as subjetividades.

Desse modo, podemos até nos surpreender com a explosão de violência ao fim do primeiro episódio (apesar de uma ocorrência no prólogo já nos deixar de sobreaviso), mas dali em diante ela se torna banal, em sua repetição e previsibilidade.

Ao contrário de procurar um impacto espetacular, como em Tarantino, a violência em "Um Toque de Pecado" é apenas um fecho, um efeito inelutável cujas razões ou lógica o filme se dedica minuciosamente a demonstrar.

Ali sim encontram-se toda sorte de violências implícitas, moral e verbal, física e mental, material e emocional. Todas provocadas, em maior ou menor escala, pelo dinheiro como única forma de intermediação, da posse e da exploração como exclusivos critérios de valor.

Violências, aliás, que não é preciso ser chinês para reconhecer como o que mais se vê e se vive todos os dias.

UM TOQUE DE PECADO
DIREÇÃO Jia Zhang-ke
PRODUÇÃO China, 2013
ONDE Espaço Itaú Augusta e Espaço Itaú Pompeia
CLASSIFICAÇÃO 14 anos
AVALIAÇÃO ótimo


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