Folha de S. Paulo


Paisagens inventadas pelo pintor Luiz Zerbini são destaque de livro

"Não existe tela em branco nos trópicos." É como se tudo fosse atravessado pela cor. Luiz Zerbini viu isso com maior clareza numa viagem com as filhas ao sul da Bahia. Sua ideia era criar ali um diário do que acontecia, mas ficou tão estarrecido ao ver os tons da paisagem e dos bichos que não escreveu nada.

Quando voltou ao Rio, onde mora, o artista então fez um diário poético, de versos que estruturam uma série de composições ultracoloridas, abstratas e figurativas, quase todas dos últimos cinco anos.

Elas estão juntas agora em "Amor Lugar Comum", novo livro do artista, que reproduz quase todas as pinturas em página dupla, para mostrar a amplidão dessas visões.

Mas suas paisagens não são reais. Na sua pintura, Zerbini constrói naturezas-mortas com fragmentos, marcantes ou não, do que viu, de bichos e plantas a detalhes da arquitetura vernacular.

É o que chama de "memórias ainda no presente", visões recentes que não se cristalizaram no passado e vêm à mente entre um e outro pensamento do dia a dia.

Foi assim com mamoeiros em flor no jardim de um hotel, janelas do Copan, em São Paulo, espécies de grama do Jardim Botânico carioca.

Mas nada é tão nítido assim no final. Zerbini é um artista que trabalha ajustando o foco entre formas reconhecíveis e abstrações geométricas sempre ancoradas numa realidade ao mesmo tempo dura e difícil de congelar.

"Tudo que é abstrato sai de uma visão figurativa. Sempre penso em radicalizar o olhar para ver até onde vai essa geometria", conta o artista.

No livro, ele resume essa ideia dizendo ver tudo pela lente de uma câmera, grande-angular ou olho de peixe.

"O que aparece no centro não sofre alteração, mas nas bordas as imagens têm a velocidade alterada pelo ângulo curvo da lente, que distorce e acelera o tempo."

Nesse ponto, o geometrismo de Zerbini se firma como exceção na arte brasileira.

Não remete aos anseios de industrialização que pautou o concretismo paulista, nem ao desdobramento das cores no espaço do neoconcretismo, mas finca suas raízes na geração 80, de artistas como Daniel Senise, e até na arquitetura estoica das fotografias do alemão Andreas Gursky.

GEOMÉTRICO ORGÂNICO

"Fico tentando criar relações o tempo todo", diz Zerbini. "Gosto que o trabalho seja amplo, que tenha muita figuração e ao mesmo tempo seja geométrico, que misture o orgânico e o geométrico."

Dessa fusão, o artista constrói algumas das telas mais marcantes de seu novo livro.

Enquanto sua visão do edifício Copan como grelha quadriculada impõe certa frieza estrutural ao calor doméstico de cada apartamento, a imagem do mar visto através de uma série de linhas negras, como uma paisagem atravessada por lâminas, consegue amortecer o olhar.

Zerbini inventa então uma geometria dócil, a favor da natureza e nunca impositiva. No poema que abre o livro, ele revela o que está por trás de seu processo construtivo.

"Fixei o olhar por uns segundos nas árvores do mangue refletidas na superfície da água", escreve Zerbini. "E, como se tudo o que acontecia de real naquela hora não fosse suficiente, imaginei uma névoa branca e leve sobrevoando a água e me dei conta de como as ideias vêm."

AMOR LUGAR COMUM
AUTOR Luiz Zerbini
EDITORA Cosac Naify
QUANTO R$ 160 (208 págs.)


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