Folha de S. Paulo


Personagem Crô não é caricatura rasa, segundo especialistas e dramaturgos

Um misto de química, timing, bons bordões e até certa densidade explicam o fenômeno Crô: o personagem que saiu da novela "Fina Estampa" (2011) e ganhou o próprio filme, que estreia hoje (29) nos cinemas. É o que dizem dramaturgos e especialistas em telenovelas.

"Crô - o Filme" traz o ator Marcelo Serrado de volta ao papel do mordomo gay cheio de trejeitos criado pelo autor Aguinaldo Silva, que também assina o roteiro do longa. A direção do filme ficou a cargo de Bruno Barreto (de "Flores Raras" e "Dona Flor e seus Dois Maridos").

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"Ele nasceu como personagem de apoio à figura da patroa na novela, mas ganhou destaque na trama e passou a ter o mesmo brilho que ela", diz Maria Cristina Mungioli, pesquisadora do Centro de Estudos de Telenovela da USP. "É marcante, bem estruturado e não é raso: tem valores, tem receios das maldades de sua chefe."

Beatriz Lefevre/Divulgação
Cena de
Cena de "Crô", com Marcelo Serrado

Segundo ela, grande parte do fenômeno se deve à boa química do ator Serrado com a atriz Christiane Torloni, que interpretou sua patroa na televisão, mas não aparece no filme. "A existência de um dependia do outro. Ele era o lado cômico; ela, o lado maquiavélico."

"Ele era submisso a ela por prazer. Ela era a realização feminina dele", afirma José Roberto Sadek, autor do livro "Telenovela: Um Olhar de Cinema" (ed. Summus). "É uma caricatura, mas estereótipos fazem parte da tradição televisiva."

Segundo nele, os bordões do personagem também ajudavam. "Na TV o público gosta de ver essas repetições, essa previsibilidade. Quero ver como vai ser os espectadores vão reagir a isso no cinema."

Um dos colaboradores na teledramaturgia de "Avenida Brasil" (2012), Alessandro Marson não vê Crô como uma simples caricatura. "Ele seria isso se só tivesse uma face, mas o personagem foi evoluindo na trama, sofreu modificações."

Marson afirma que a exportação do personagem para o cinema é fruto de timing. "Virou filme nem tanto pelo Crô em si, mas como o cinema brasileiro está valorizando muito a comédia, natural que escolhessem esse personagem que fez tanto sucesso."

Autora da atual novela das seis da Rede Globo, "Joia Rara", Thelma Guedes compara Crô aos personagens do diretor espanhol Pedro Almodóvar. "É uma caricatura colorida, um vilãozinho engraçado que tem um lado frágil."

NA COMUNIDADE

Se entre pesquisadores e dramaturgos Crô parece unânime, isso não se repete entre a comunidade gay.

"Respeitamos os afeminados, mas a maioria dos homossexuais são masculinos e não se identificam com esse modelo ultrapassado", afirma o antropólogo Luiz Mott, fundador do Grupo Gay da Bahia. "Não existe bicha assim tão extravagante."

Para o diplomata Alexandre Vidal Porto, colunista da Folha, o pior traço do personagem é a sua submissão à patroa. "É essa a mensagem que o personagem transmite: viado é inferior, portanto, tem de ser submisso."

Segundo ele, o personagem Félix (Mateus Solano), da novela "Amor à Vida", é uma "representação honesta de um homossexual". "É mal, desprezível, mas a sua homossexualidade não é utilizada para desmerecê-lo."

O ativista paranaense Toni Reis, da ABLGT (Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais), diz que Cró "é um grande personagem". "É bem-humorado, inteligente, não leva desaforo para casa."

"As críticas ao Crô são excesso de zelo. Um personagem não tem que ter compromisso militante", diz Reis. "Não existe só um tipo de gay. Tenho muitos amigos que são afeminados como ele."


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