Folha de S. Paulo


Crítica: Aos 92 anos, sambista Riachão faz show histórico no Sesc Pompeia

Um sambista de 92 anos, um dos maiores sambistas vivos do país, fez na última sexta (22/11) um show histórico em São Paulo.

Riachão (não custa repetir, 92 anos) ficou de pé durante toda sua apresentação de uma hora na choperia do Sesc Pompeia. Deixou o palco consagrado, antes de voltar para o bis.

Foi um breve acerto de contas com o baiano cujo talento nunca se refletiu em notoriedade, salvo as exceções de "Chô Chuá (Cada Macaco no seu Galho)", tornada famosa por Caetano e Gil, e "Vá Morar com o Diabo", gravada por Cássia Eller.

Ouve-se desde cedo por aqui que "o samba nasceu lá na Bahia", mas ironicamente o país do samba não conhece o samba baiano, território de criadores assombrosos como Batatinha e Riachão.

Se Batatinha, morto em 1997 aos 72 anos, flertava com a melancolia (era um "profissional do sofrimento", como cantou em "Conselheiro"), Riachão é pura festa.

Seu repertório bebe no samba de roda e no samba chula do Recôncavo baiano, no coco e em subgêneros do melhor samba de raiz brasileiro, mas também em marchinhas e folia de rua --música viva para espíritos leves.

E Riachão, feito um menino, desfilou naquela noite novas pepitas de seu imenso repertório, garimpadas com o auxílio de Vânia Abreu, Cássio Calazans e Serginho Rezende, diretores/produtores do álbum "Mundão de Ouro" (Comando S/Tratore), lançado na ocasião.

O show da sexta no Sesc Pompeia já fora apresentado numa versão mais enxuta no bar Na Aba, em Pinheiros, em agosto passado.

Desta vez Riachão esteve cercado de uma banda completa, mais de dez músicos bem sintonizados com o nonagenário que teve o tempo inteiro o controle da situação.

Os sambas que vêm à tona agora são todos de alta qualidade, com destaque para "Eu Vou Chegando" e "Valdinéia" e para a linda marcha "Mundão de Ouro".

A figura de Riachão --terno e sapato brancos, camisa vermelha a combinar com o cachecol (substituto da toalhinha no pescoço que é uma marca registrada) e os anéis multicoloridos em todos os dedos-- é um espetáculo à parte.

E seu carisma no palco é uma aula a jovens artistas. A todo instante afagava a plateia, mas sem ser maçante --o que é trivial, mas, ante a apatia dominante por aí, soa a façanha.

"O que é o malandro sem vocês? Nada", agradecia. Mais aplauso, mais sintonia, e ele: "O que importa pro malando e pra todos que estão aqui em cima é a presença de vocês".

Deu-se uma pequena apoteose quando ele revelou a idade.

O malandro contou histórias (que intercalava com comentários como "Tudo isso era o que tocava no rádio na década de 30"), cantou seus dois grandes sucessos (lembrou o contexto e a ocasião em que Caetano e Gil se encantaram por "Cada Macaco no seu Galho", ao voltarem do exílio londrino; revelou que não gostava de "Vá Morar com o Diabo", porque "não se trata mulher assim", cuidando para esclarecer que o machista que atormenta a mulher na música não é ele, mas um amigo que lhe narrou o episódio).

Quem viu Riachão no Sesc Pompeia teve sorte. A julgar pelo vigor do senhor, quem não viu deverá ter outras chances antes de ele chegar aos cem. É um bom consolo.

RIACHÃO - LANÇAMENTO DO CD "MUNDÃO DE OURO"
AVALIAÇÃO ótimo


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