Folha de S. Paulo


Artistas lançam trabalhos em fitas cassete e resgatam 'aventura sonora'

Quem viveu o período das fitas cassete não esquece: colocar a fita no aparelho de som, apertar o botão do play e, na impossibilidade de "pular" de uma faixa para a outra, escutar um álbum por inteiro, sem edição, com o encarte em mãos.

Tangível e com vocação para item de colecionador, as fitas representam também a possibilidade de uma experiência musical mais pessoal e autêntica. Por preencher uma lacuna afetiva e concreta deixada pelos arquivos digitais do MP3 --aparentemente imbatível em outros aspectos--, ela protagonizou um inesperado revival nos últimos meses.

Em setembro, durante o "Cassete Store Day" (Dia da Loja de Cassetes), grupos de rock como Flaming Lips, At The Drive In e Animal Collective relançaram seus álbuns apenas em formato de fitas cassete.

A banda She & Him, da atriz Zooey Deschanel, também entrou na onda. A dupla incluiu a fita cassete entre a série de suportes em que lançou seu álbum inédito (que também saiu em MP3, FLAC, CD, LP) --a cassete corrobora com sua imagem retrô.

A diferença dos preços dos diferentes suportes não variou muito: a fita saiu US$ 9,98 (cerca de R$ 23), ante US$ 8.99 (pouco mais de R$ 20) do MP3.

Tomada por uma nostalgia dos anos 90, a publicitária Victoria Siqueira, 27, comprou, este ano, fitas das bandas The Killers, Backstreet Boys, Garbage e Spice Girls no site eBay. Pagou cerca de R$ 20,00 por cada uma.

"Comprei porque achei bonitinho, menos para ouvir e mais para ter como artigo de colecionador. É uma coisa de nostalgia mesmo," diz.

Victoria não conseguiu encontrar o último álbum do The Killers em fita cassete. Tudo indica que, hoje em dia, é no mundo indie que as fitas cassete, que nunca deixaram de circular, florescem.

No Brasil, as curitibanas Subburbia e Wack acabam de lançar álbuns pelo Terry Crew, selo recém-criado que só trabalha com fitas. Inteiramente pintadas à mão e ilustradas com imagens retrô, elas parecem vindas de um outro tempo.

Divulgação
Produções artesanais de fitas cassete e camisetas do selo Terry Crew
Produções artesanais de fitas cassete e camisetas do selo Terry Crew

Emil Stresser, 30, idealizador do selo e membro da Subburbia, as compara à "toy art": brinquedos que são objetos de arte. Os nomes das faixas não aparecem nos encartes. Segundo Stresser, isso cria um senso de descoberta e força quem está ouvindo a prestar atenção no que realmente importa.

Ter uma estética própria é um dos motivos pelos quais o selo Pug Records, de Juiz de Fora, produz fitas cassete desde 2010. "A gente mesmo grava os discos e faz as capas à mão. A cassete complementa essa nossa onda caseira", diz um dos fundadores, Eduardo Vasconcelos, 28.

"Tem fita em que a gente coloca adesivo. Tem umas que a gente pinta à mão. Para cada uma, a gente faz uma onda. É um objeto de colecionador. E uma coisa legal é que em fita dá para fazer coisas que não tem sentido em MP3, como colocar faixa bônus."

Segundo o fundador do selo norte-americano Lost Sound Tapes, Jon Manning, 28, as cassetes estão "mais populares que nunca", embora nunca tenham realmente saído de circulação. Um dos motivos seria o aumento no custo de produção de outros suportes.

"Os músicos sempre tiveram mais amor que dinheiro, e elas sempre foram o formato mais barato, rápido e fácil de gravar," diz.

Apesar disso, é difícil falar num crescimento de mercado. Mesmo as vendas de cassete no mercado independente são difíceis de mensurar, segundo Vasconcelos. "É como tentar descobrir quem vendeu mais sacolé na praia. Dificilmente uma banda [independente] faz prensagem de cassete com mais de 200, 300 cópias. É uma cultura que cresce, mas de forma invisível."

TOCANDO FITAS

Mas será que é fácil encontrar um jeito de ouvir fitas hoje em dia? A julgar pela quantidade de toca-fitas à venda em sites de compra coletiva e pela disponibilidade de pelo menos três modelos de aparelhos de som com suporte à mídia em lojas de departamento, sim.

O crítico de música Tom Leão, dono de uma coleção de fitas que inclui "muitas demos importantes, como a primeira ou a segunda do Los Hermanos", comprou um player portátil recentemente no camelódromo da Rua Uruguaiana, no Rio de Janeiro. Era o que faltava na sua coleção de "um tocador de cada mídia musical que existiu".

Fã dos lançamentos do selo Transfusão Noise Records e apresentador de um programa de música brasileira contemporânea numa rádio da Macedônia, o carioca Rodrigo Miravalles, 35, comprou "um [aparelho] Technics lindão" para ouvir fitas antigas encontradas na casa dos seus falecidos avós.

Foi então que descobriu o mercado de fitas e descobriu artistas, como o Legowelt, que às vezes lançavam trabalhos exclusivamente neste suporte.

"A fita cassete é um suporte que exige do ouvinte uma motivação. Para o artista, imagino que se um só se der esse trabalho, já vale o esforço. O artista tem mais é que fazer isso mesmo, provocar o ouvinte, forçá-lo a se mexer um pouquinho, fazer um exerciciozinho, apertar um play duro de toca-fitas," diz.


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