Folha de S. Paulo


Rapper afegã participa de festa literária em comunidade do Rio

Não há profissão fácil na República Islâmica do Afeganistão, um dos países mais pobres e mais perigosos do mundo, mas decidir ser cantora, de um gênero ocidental (rap/hip hop), com letras feministas, é tornar-se pária.

"O que mais me incomoda é ver que mesmo as mulheres me xingam por algo que estou fazendo para elas. Sendo assim, o que esperar dos homens?", diz Paradise Sorouri, 28, rapper afegã que ganhou destaque internacional por suas canções que denunciam a misoginia do país.

Ela veio ao Rio acompanhada do noivo, o também rapper Ahmad Marwi, 27, para participar da Festa Literária das Unidades de Polícia Pacificadora (Flupp), que acontece na comunidade de Vigário Geral, na zona norte.

Divulgação
A dupla de rap afegã 143Band, formada pela cantora Paradise e seu noivo, Diverse
A dupla de rap afegã 143Band, formada pela cantora Paradise e seu noivo, Diverse

Ao lado do poeta afegão Suhrab Sirat, eles participam da mesa "Occupy Afeganistão", hoje, às 11h, e fazem o show de encerramento, amanhã, às 20h45.

Filhos de afegãos que se refugiaram no Irã durante os conflitos políticos da década de 1970, Paradise e Ahmad --que usa o nome artístico Diverse-- nasceram no país persa, mas sempre mantiveram laços com o Afeganistão, para onde se mudaram em 2007.

O casal se conheceu no ano seguinte, na Universidade de Herat, onde Diverse era professor de informática e Paradise, secretária.

"Começamos a namorar, o que era estritamente proibido em Herat, e formamos a 143Band", diz Diverse, que conversou por e-mail com a Folha, como sua noiva.

Cantando em persa --e em sua variante afegã, o dari--, o duo foi investindo suas economias na carreira.

O estilo e o visual do casal são claramente inspirados no modelo americano de hip-hop, o que é comprovado pelas influências que eles citam: Eminem, Jay Z, Tupac.

Paradise sentiu desde o início o perigo de se lançar na carreira artística num país onde a presença do Taliban ainda tem força: por questões de segurança, foi obrigada a desistir da universidade e se mudar para o Tadjiquistão.

"Eles me xingavam de 'puta' quando estava no palco, me olhavam feio, como se eu estivesse fazendo algo errado. Me tratavam muito mal."

Foi no país vizinho que gravou a canção "Faryade Zan" ("O Grito de Uma Mulher"), cujo vídeo mostra a rapper sendo sequestrada e torturada --algo que, felizmente, não chegou a acontecer.
"Já recebi muitas ameaças e fui agredida nas ruas, mas ainda não chegou a isso. Mas é algo que acontece com muitas mulheres no país, que são até vendidas", diz ela, que voltou ao Afeganistão após três anos e vive em Cabul.

Do Brasil, terceiro país em que se apresentam, não conhecem nada além de "futebol" e "selva", mas se dizem surpresos com o convite e felizes por "representar internacionalmente o Afeganistão".


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