Folha de S. Paulo


Crítica: Coletânea reúne lado fraco de Rubem Fonseca

Percorrendo os 34 textos que compõem "Amálgama", o leitor encontra relances da genialidade de Rubem Fonseca, que inovou profundamente a nossa ficção desde o lançamento, há 50 anos exatos, de "Os Prisioneiros".

Entre um Pedro Luiz, algumas poucas protagonistas femininas e outros não nomeados, vários Josés --geralmente órfãos, (mal)criados por uma tia-- enredados na misoginia, na criminalidade ou na perversão (um deles gasta o capital da venda da casa para furar os peitos siliconados de uma mulher) circulam pelo anonimato urbano.

Mesmo no caso do pai amoroso de "Conto de Amor", o lado "mundo-cão" prevalece: ele presenteia o filho nascido sem os membros com um explosivo.

João Wainer - 16.mar.10/Folhapress
O escritor Rubem Fonseca em imagem de 2010
O escritor Rubem Fonseca em imagem de 2010

Como que para rubricar esse estado de coisas, Rubem Fonseca seguiu o caminho adotado por Dalton Trevisan a certa altura da sua contística (ambos nasceram no mesmo ano, 1925, e são os mais sérios candidatos ao posto de maior nome do gênero), com relatos que vão na direção do tosco, do traço rupestre.

É difícil seguir Trevisan título a título, mas quando cai algum nas mãos a impressão sempre é de vigor. Não é o caso de "Amálgama". Não é ela a coletânea a redimir seu autor de uma sequência infindável de obras fracas; pelo menos, desde "O Buraco na Parede" (1995).

Buscando ser cru, Rubem Fonseca revela-se apenas desfibrado, mesmo porque recai em truques derrisórios: assassinos de aluguel cultos (nem com o fracasso de "O Seminarista" ele aprendeu), espreitadores de mulheres que leem Chatwin, Theroux e Lévi-Strauss, e principalmente as risíveis informações de almanaque (de araque, dir-se-ia).

O narrador tem bursite, "essa inflamação da bolsa, ou bursa, a cavidade que contém líquido seroso e reduz o atrito em articulações", chegando à seguinte desfaçatez: "Afinal, que pessoas frequentavam essas festas? Creio que principalmente os boca-livristas (termo que resulta do substantivo boca-livre, evento ou lugar em que se pode comer e beber de graça)".

Há os lampejos mencionados e alguns textos que, se não redentores do conjunto, pelo menos honram a firma ("Conto de Amor "e "Devaneio", por exemplo).

O saldo final é depressivo: Fonseca parece imitar um jovem e ainda inábil escritor influenciado por sua obra.

Mais do que a crueldade destilada (debilmente) pelas histórias, o leitor fica consternado com esse depauperamento avassalador de um universo autoral que já foi um marco e tanto.

ALFREDO MONTE é doutor em Teoria Literária pela USP e criador do blog Monte de Leituras (armonte.wordpress.com ).

AMÁLGAMA
AUTOR Rubem Fonseca
EDITORA Nova Fronteira
QUANTO R$ 39,90 (72 págs.)
AVALIAÇÃO regular


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