Folha de S. Paulo


Autorização a biografias pode levar a censura à imprensa, diz presidente da ABL no Supremo

O STF (Supremo Tribunal Federal) abriu as portas, nesta quinta-feira (21), à polêmica da autorização prévia de biografados ou de suas famílias para a publicação de biografias.

A audiência pública desta quinta reuniu argumentos para a futura decisão do Supremo sobre a ação direta de inconstitucionalidade que questiona a interpretação de artigos do Código Civil de que é necessário solicitar a autorização prévia no caso citado.

A ação, movida pela Anel (Associação Nacional dos Editores de Livros), sustenta que essa autorização prévia é incompatível com a liberdade de expressão e informação garantida pela Constituição.

Dos 17 debatedores presentes, 13 apoiaram claramente a ação da Anel e a necessidade de se mudar a interpretação sobre a chancela prévia. Todos foram ouvidos pelas ministras do Supremo Cármen Lúcia (relatora da ação) e Rosa Weber, e pelo representante da Procuradoria-Geral da República. A ministra da Cultura, Marta Suplicy, participou do início da audiência.

Em nome da Academia Brasileira de Letras, a escritora Ana Maria Machado classificou de "exorbitante" a interpretação atual do Código Civil, que empurra a publicação de biografias à autorização prévia.

Na avaliação da escritora, a autorização prévia "restringe a criação, compromete nossa literatura e leva ao risco de empobrecer nossa cultura brasileira". Citando biografias de personalidades como Machado de Assis, Anísio Teixeira e Assis Chateaubriand, Ana Maria Machado defendeu que as obras ampliam pontos de vista e contribuem para a formação da cultura brasileira.

Manter a necessidade de autorização prévia pode ter impactos maiores, alerta. "Está na abertura de portas para a instalação da censura à imprensa", disse a escritora.

Professor da UFRJ, biógrafo de Dom Pedro 2º e imortal da ABL, o historiador José Murilo de Carvalho também se manifestou contrário à chancela prévia, dizendo que a família do imperador não colocou qualquer obstáculo ao seu trabalho.

"Vendo a lista de quem defende, hoje, a censura prévia para biografias, não posso deixar de verificar que não se fazem mais reis como antigamente", ironizou o escritor.

A polêmica das biografias colocou em destaque --e em choque-- artistas como o rei Roberto Carlos, Caetano Veloso e Chico Buarque.

José Murilo de Carvalho se uniu à escritora Ana Maria Machado, apontando para danos ainda maiores. "Podemos estar caminhando, pela censura prévia e autocensura, para a eliminação do contraditório e do choque de ideias, bases da República."

PROTEÇÃO À HONRA

O deputado federal Marcos Rogério (PDT-RO) defendeu que o Código Civil não vincula a publicação à autorização prévia expressa, mas dá instrumentos para o biografado reagir de eventuais calúnias --por exemplo, com a retirada de circulação da obra.

"O que poderia o interessado fazer se o STF entender que, no caso de biografias, é possível publicar-se qualquer coisa sem a autorização do biografado? Quais as consequências disso? A indenização, pura e simplemente?", questionou o deputado.

"Deve prevalecer o direito de imagem (...) Não tenho dúvida de que esses artigos são constitucionais", defendeu Ralph Anzolin Lichotti, representante da Associação Eduardo Banks. Em sua fala, Lichotti fez referência a assuntos muito variados, o que fez a ministra Cármen Lúcia pedir que o debatedor se prendesse ao tema proposto.

A Procuradoria-Geral da República entende que é inconstitucional condicionar a publicação de uma biografia à autorização prévia. Apoia, desta maneira, a ação apresentada pela Anel.

Odim Brandão Ferreira, representante do órgão na audiência desta quinta, ressalvou que uma eventual decisão do STF nesse sentido não resolve o problema seguinte, "notadamente as invasões ou informações incorretas por parte da obra".

A relatora da ação explicou que a audiência não tinha a intenção de tratar de casos específicos, mas do interesse público do tema. E, assim, que biografados e biógrafos com ações pendentes da Justiça não participaram do debate.

Cármen Lúcia afirmou que pretende liberar seu voto no início de dezembro, para que a ação entre na pauta do tribunal.


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