Folha de S. Paulo


Lei que permite censura a biografias afronta Constituição, dizem biógrafos; leia carta

Doze dos principais biógrafos do país, incluídos os dois maiores nomes do gênero --Fernando Morais e Ruy Castro--, divulgaram neste domingo, em Fortaleza, uma carta em que defendem as ações no Supremo Tribunal Federal e no Congresso Nacional para alterar a legislação que permite censura prévia a biografias.

Os artigos 20 e 21 do Código Civil abrem a possibilidade de veto a livros biográficos que não sejam previamente autorizados. Editores e biógrafos batalham para derrubar os artigos.

"Esse instrumento de censura --os artigos 20 e 21 do Código Civil-- já retirou de circulação ou ergueu obstáculos à difusão de livros, filmes, canções, teses acadêmicas, programas de televisão e obras diversas. São atingidos historiadores, documentaristas, ensaístas e pesquisadores de modo geral, além do jornalismo e, sobretudo, a sociedade brasileira", diz trecho da carta.

"A legislação em vigor transformou nosso país na única grande democracia do planeta a consagrar a censura prévia, em evidente afronta aos princípios de liberdade de expressão e direito à informação conquistados com a Constituição Cidadã de 1988", prossegue o documento.

A chamada "Carta de Fortaleza" vem a público no último dia do 1º FIB (Festival Internacional de Biografias), que começou na última quinta na capital cearense, e às vésperas do início da audiência pública no STF para debater a ação movida por editoras para modificar a lei. A audiência acontece na quinta e na sexta desta semana.

Assinam o documento o jornalista Mário Magalhães, autor de "Marighella" (biografia do líder guerrilheiro), curador da programação literária do FIB e redator do documento, e os 11 convidados do festival: Fernando Morais, Guilherme Fiuza, Humberto Werneck, João Máximo, Josélia Aguiar, Lira Neto, Lucas Figueiredo, Luiz Fernando Vianna, Paulo César de Araújo, Regina Zappa e Ruy Castro.

A sugestão para que Magalhães fosse o redator partiu de Morais.

A carta será lida no encerramento do FIB, na tarde deste domingo em Fortaleza, pelo biógrafo cearense Lira Neto (autor de biografias de Getúlio Vargas e padre Cícero, entre outras).

O manifesto é mais um capítulo no movimento de biógrafos e editores para tentar alterar a legislação.

O grupo enfrenta a resistência de artistas de peso da MPB, como Chico, Caetano, Roberto Carlos e Gilberto Gil, para quem a liberdade de expressão deve ser conciliada com o direito à privacidade.

A ideia da carta partiu de Fernando Morais, em entrevista à Folha antes mesmo do início do festival.

Ruy Castro de início desdenhou da iniciativa ("Não sei se precisa de mais carta, mais manifesto", disse na sexta), mas terminou por assinar.

Leia abaixo íntegra da carta

*

Carta de Fortaleza

Os biógrafos reunidos no 1º Festival de Biografias, em Fortaleza, vêm a público manifestar apoio irrestrito à Ação Direta de Inconstitucionalidade dos artigos 20 e 21 da Lei 10.406/2002 (Código Civil), ajuizada no Supremo Tribunal Federal pela Associação Nacional dos Editores de Livros, e ao projeto de lei 393/2011, de autoria do deputado federal Newton Lima. As duas bem-vindas iniciativas pretendem abolir a censura prévia imposta a biografias e demais manifestações culturais, acadêmicas e jornalísticas.

A necessidade de autorização prévia converteu-se no Brasil em constrangimento e impedimento à produção não apenas de biografias, mas de qualquer trabalho de não ficção que trate de política, artes, esportes e outros aspectos da vida nacional.

Esse instrumento de censura os artigos 20 e 21 do Código Civil já retirou de circulação ou ergueu obstáculos à difusão de livros, filmes, canções, teses acadêmicas, programas de televisão e obras diversas. São atingidos historiadores, documentaristas, ensaístas e pesquisadores de modo geral, além do jornalismo e, sobretudo, a sociedade brasileira.

A legislação em vigor transformou nosso país na única grande democracia do planeta a consagrar a censura prévia, em evidente afronta aos princípios de liberdade de expressão e direito à informação conquistados com a Constituição Cidadã de 1988.

Alguém já disse que, antes de virar a página da história, é preciso lê-la. Para ler, pesquisar e narrar, a liberdade é imprescindível.

Nós, que vivemos sob a censura imposta pela ditadura instaurada em 1964, recusamo-nos a aceitar agora formas de cerceamento da livre manifestação de ideias e relatos históricos. O conhecimento da própria história é um direito dos brasileiros.

Confiamos no espírito democrático e republicano dos congressistas do Brasil e dos ministros do Supremo Tribunal Federal.

Fortaleza, 17 de novembro de 2013

Fernando Morais
Guilherme Fiuza
Humberto Werneck
João Máximo
Josélia Aguiar
Lira Neto
Lucas Figueiredo
Luiz Fernando Vianna
Mário Magalhães
Paulo César de Araújo
Regina Zappa
Ruy Castro


Endereço da página:

Links no texto: