Folha de S. Paulo


Jornalistas revelam trechos que Chico Buarque pediu para omitir de livros

O tema do primeiro debate deste sábado (16/11) no Festival de Biografias de Fortaleza, com os jornalistas Humberto Werneck e Regina Zappa e mediação de Lucas Figueiredo, era "No compasso da história: vida de artistas", mas a vida que monopolizou a conversa foi a de um único artista, Chico Buarque.

Zappa é autora de quatro livros biográficos sobre o compositor. Werneck escreveu um perfil biográfico do autor de "Roda-Viva".

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Embora tenham ressaltado que Chico sempre colaborou com suas pesquisas e apurações, ambos revelaram passagens que o compositor pediu para não serem publicadas nos trabalhos que escreveram sobre ele.

Chico é um dos artistas que se opõem à tentativa de editores e biógrafos de alterar, no Supremo Tribunal Federal e no Congresso, a legislação atual, que abre brechas para censura prévia a biografias.

Durante as entrevistas para seu "Tantas Palavras", Werneck diz ter ouvido de Chico que, após o golpe militar de 64, um ex-colega do compositor no colégio Santa Cruz, que mais tarde se tornaria famoso, fez uma provocação ideológica recorrendo ao pai de Chico, o historiador Sérgio Buarque de Holanda.

"O colega disse a Chico: 'Agora nós vamos lá na casa do teu pai queimar aquela livralhada socialista. Ele deu o nome do cara, eu botei e depois ele pediu para tirar", relatou Werneck. Diante da insistência dos colegas de debate e da plateia, ele revelou que o colega era o hoje advogado Miguel Reale Jr.

O outro pedido foi para que Werneck não mostrasse os versos que Chico pensou em incorporar à letra de "Sabiá", parceria dele com Tom Jobim. Segundo Werneck, os versos eram de fato "horríveis" --ele diz que chegou a ter o papel com o trecho, mas perdeu.

"Só nesses dois casos ele pediu para eu não botar, e eu achei razoável", disse o jornalista.

A restrição que Chico fez a Zappa foi para omitir um gesto de solidariedade com um colega. "Ele pediu para não publicar que ajudou o [compositor] João do Vale quando ele estava doente, que pagou toda a conta do hospital até ele morrer."

"Acho que foi mais por modéstia", interpretou Zappa.

Apesar de afirmar que discorda da posição de Chico no caso das biografias não autorizadas, a jornalista elogiou a abertura e disponibilidade do compositor. "Nem passou pela minha cabeça ter ou não a autorização dele, eu queria a cooperação. Ele nunca vetou nada, nunca pediu para tirar nada, só essa coisinha."

RESTAURADOR

Autor de "O Santo Sujo", biografia do compositor e poeta Jayme Ovalle, eminência parda do modernismo brasileiro, Humberto Werneck narrou seu caso de amor com o personagem.

"Ele era o contrário do Chico, dele eu só tinha migalhas de informações. É um personagem extraordinário, de quem eu sempre ouvira falar, mas sempre pela beirada. Um extraordinário artista, estava entupido de poesia, mas sem condições de botar sua arte para fora. Quem é esse cara que, sem ter obra, influenciou um monte de gente? Esse personagem me consumiu 17 anos de trabalho."

Ele usou uma metáfora para descrever seu exercício para construir a biografia: "Me senti como um restaurador que acha os cacos de um vaso etrusco".

Zappa --que além de Chico já fez livros biográficos de artistas como Gilberto Gil e Hugo Carvana-- comparou as entrevistas para um trabalho do gênero a sessões de análise.
"Essa é a parte bonita, e importante, de se fazer a biografia de uma pessoa viva."

Ela contou que quem mais a ajudou a compreender o processo criativo de Chico foi a atriz Marieta Severo, ex-mulher do compositor.

O jornalista FABIO VICTOR viajou a convite da organização do Festival Internacional de Biografias


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