Folha de S. Paulo


Opinião: Aragão faz cinema artesanal e barato sem parecer fuleiro

Meio século separa o primeiro filme de terror feito no Brasil, "À Meia-Noite Levarei Tua Alma", de José Mojica Marins, de "Mar Negro", terceiro longa de Rodrigo Aragão. Nesse tempo, uma coisa não mudou: fazer cinema de terror no Brasil continua sendo um terror.

Assim como Mojica em 1963, Aragão pena com falta de verba e falta de apoio oficial. E usa o único recurso de que dispõe: a criatividade. É o cinema de invenção, só para usar a expressão criada pelo crítico e cineasta Jairo Ferreira (1945-2003).

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O cinema de Aragão é artesanal sem ser tosco, barato sem ser fuleiro. Seus filmes sangrentos não usam monstros importados, mas lendas locais.

O longa "Mar Negro" gira em torno de uma comunidade de pescadores capixaba aterrorizada por uma asquerosa criatura marinha, o Baiacu-Sereia.

Eventuais deficiências técnicas de equipe e elenco são mais do que compensadas pela capacidade de criar algo novo e surpreendente.

Mil vezes o terror brejeiro e criativo de Rodrigo Aragão do que a competência publicitária das modernas comédias brasileiras.

Se os filmes de Aragão assustam o público, há um grupo de pessoas que se assusta ainda mais: os diretores de marketing de empresas.

Não é novidade que a cultura nacional é controlada por essas criaturas misteriosas, capazes de decidir o destino de milhões e milhões de reais públicos, via Lei Rouanet. E esses deuses não parecem interessados em monstros pestilentos que vêm do mar. Especialmente do nosso mar.

Mesmo assim, o cinema de terror brasileiro sobrevive. Mojica foi o primeiro, mas não o único: além do capixaba Aragão, o catarinense Petter Baiestorf e o gaúcho Dennison Ramalho continuam assombrando por aí. Vida longa a eles.


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