Renata é sem dúvida uma garota voraz: relaciona-se com dois homens e, a julgar pelas aparências, se dá bem com ambos. Mas Renata não é uma dessas heroínas alienadas tão características do atual cinema paulista.
Ela namora um crítico de arte e um ladrão de carros. Um é um cérebro, o outro um corpo. Ela tem a obsessão de encontrar, ou reencontrar, um pensamento ativo, que corresponda ou leve à ação.
'Filme militante é uma tragédia', diz cineasta Eduardo Coutinho
Incômodo com a cidade move personagens em 'Riocorrente'
Veja os destaques de hoje da Mostra de São Paulo
Em "Riocorrente", os personagens são representações dessa busca. De certo modo, o intelectual puro nada pode senão enfiar o rosto na porta do museu, como que entrando num quadro de Magritte. Mas o que pode o homem de ação a quem faltam ideias?
Eis o dilema contemporâneo: a incapacidade (ou impossibilidade) de encontrar o caminho a partir do qual constituir a narrativa capaz de transformar o real bruto em sentido, o fragmentário num todo minimamente coerente. Ou ainda, de criar ideias capazes de interferir no mundo, como quer Renata.
Talvez por aí se possa justificar Exu, o enigmático menino de que se ocupa o ladrão de carros. É ele que risca a pintura de um carro como se riscasse o carro de cada espectador: ele destrói,só que é capaz de colocar nada no lugar.
"Riocorrente" é a esperada estreia de Paulo Sacramento, que já havia afirmado sua inquietude no documentário "O Prisioneiro da Grade de Ferro", em que dava a câmera aos presidiários para que mostrassem o que é (era) a vida no Carandiru.
Agora ele assume a responsabilidade neste filme crispado, onde começa por mostrar uma São Paulo que não a dos clichês. Também montador, constrói, ao lado de Idê Lacreta, um filme de tempos tão tensos quanto suas imagens.
É verdade que elas, por vezes, passeiam tanto pela cidade que parecem um mostruário de locais inusitados. Eis uma questão de parte do cinema paulista: a cidade parece fascinar tanto que o mundo se mostra um apêndice ou não mais que uma metáfora dela.
"Riocorrente" não foge totalmente disso, mas esse dado está longe de invalidar essa áspera e promissora estreia.
RIOCORRENTE
DIREÇÃO Paulo Sacramento
PRODUÇÃO Brasil, 2013
ONDE Espaço Itaú - Augusta 1, hoje, às 14h
CLASSIFICAÇÃO 14 anos
AVALIAÇÃO ótimo