Folha de S. Paulo


'Todos temos cabelo ruim', diz diretora de filme venezuelano 'Pelo Malo'

Para narrar, em seu terceiro longa, uma história sobre intolerância, a venezuelana Mariana Rondón utilizou os olhares dos personagens. Em "Pelo Malo" eles são um filtro para que o espectador enxergue as consequências de pontos de vista divergentes.

A produção, ganhadora no mês passado da Concha de Oro, maior prêmio do Festival Internacional de Cinema de San Sebastián, é exibida em São Paulo na 37ª Mostra Internacional de Cinema.

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A história gira em torno de Junior, garoto que deseja alisar o "cabelo ruim" do título. Se Junior parece odiar seu reflexo no espelho, sua mãe, Marta, enxerga a insatisfação do menino como uma ameaça a sua masculinidade.

Divulgação
Junior, interpretado por Samuel Lange Zambrano, observa vizinhos em cena de 'Pelo Malo'
Junior, interpretado por Samuel Lange Zambrano, observa vizinhos em cena de 'Pelo Malo'

A trama se assemelha, no Brasil, à mais recente controvérsia em torno de "Amor à Vida", novela global de Walcyr Carrasco. No folhetim, o garoto Jayminho, que tem cabelo estilo black power, é adotado por um casal gay. Ao pedir que o ator cortasse o cabelo, Carrasco foi acusado nas redes sociais de racismo.

"De alguma maneira, todos nós temos 'cabelo ruim'", diz Rondón à Folha. "No Brasil e na Venezuela, países com povos misturados, todos podemos nos identificar com algum tipo de intolerância."

Em sequência do começo do filme, Junior e uma amiga observam os vizinhos e brincam de adivinhação: um descreve o que vê, e o outro tenta encontrar a imagem correspondente entre as janelas dos edifícios multifamiliares de Caracas, concretização da "cidade utópica" concebida pelo arquiteto Le Corbusier (1887-1965) nos anos 1950.

Roupas molhadas penduradas no varal, uma mulher fumando cigarro, uma menina andando de patins e um grafite que diz "te amo" são algumas das cenas encontradas pelas crianças, que criam histórias para o que veem.

Segundo Rondón, a cena antecipa o restante do filme."Desde o início, está marcado que o longa é sobre a maneira como se enxerga e se imagina o outro."

A diretora, que também é artista plástica, convidou o espectador a fazer parte do "jogo" na instalação "Superbloque", em que o visitante analisa o que vê nas janelas dos edifícios da capital venezuelana. Ela diz que deseja trazer a exposição ao Brasil para acompanhar o lançamento do filme --a produção será distribuída pela Esfera Filmes e deve estrear em abril.

Apesar de ainda não haver entrado em cartaz na Venezuela, o filme chegou a repercutir no país. Gravado na época da doença do presidente Hugo Chávez, morto em março deste ano, "Pelo Malo" foi visto, sobretudo na Espanha, como denúncia da violência e do caos em Caracas.

"Quis fazer, de certa forma, um registro documental", afirma Rondón. A diretora conta que está "fugindo" da polêmica. "A Venezuela é um país muito polarizado, então qualquer comentário serve para causar uma discussão."


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